terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

ELEMENTOS MORFOLÓGICOS E DINÂMICOS DO MEIO FÍSICO



Marco Antônio de Morais Alcantara


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        Caracterização geral do meio físico



       Sistemas de escoamento superficial e redes de drenagem

         A conformação do terreno pode implicar na existência de caminhos preferenciais de drenagem. Um sistema bastante simples pode ser compreendido como um curso d’água e um conjunto de vertentes laterais. como se observa da Figura 1, as variáveis para tal sistema poderiam ser, por exemplo, a vazão transportada, a declividade da vertente, e a carga de detritos transportada pelo curso d’água.

Figura 1: Elementos de uma vertente

Este sistema pode estar em equilíbrio com o regime de precipitação, e com a presença de vegetação nas encostas.

Em outra situação, se poderia imaginar um tipo de superfície onde linhas preferenciais atuariam como divisores de águas, direcionando-as para as respectivas vertentes. Estes são os espigões. No conjunto global pode-se pensar em uma hierarquia fluvial, e em uma bacia de drenagem, conforme a Figura 2 havendo cursos d’água principais e tributários. Toda água desta região deve ser escoada por este sistema.


Figura 2: Bacia de drenagem e cursos d’água

Alguns aspectos devem ser ressaltados com relação aos respectivos sistemas, como:

         - O equilíbrio entre as variáveis. Estes sistemas são o resultado de processos morfogenéticos atuantes durante muitos anos, e, quando diante de intervenções, estes procuram partir para outras configurações, muitas vezes desfavoráveis.

Por exemplo, diante do aumento da quantidade de material sólido lançado em um curso d’água, este tende a diminuir a sua capacidade de transporte, e provocar assoreamentos, e, por consequência, enchentes, para permitir que o curso d’água se readapte para as novas condições impostas para poder transportar a mesma vazão.

Cunha (2007) considera a competência de um curso d’água em transportar sedimentos, distinguindo-se a dimensão máxima das partículas e a quantidade, ainda, uma velocidade requerida para o transporte de uma determinada partícula, havendo uma velocidade crítica para o transporte de uma partícula, abaixo da qual esta vem a sedimentar-se.

O que poderia causar o aumento da carga de detritos é o do desmatamento nas vertentes. O processo de erosão pode carrear mais detritos para o curso d’água, assim como, proporcionar a aumento na variação da declividade da vertente.

         Dentre os cursos d’água distingue-se os retilíneos, os anomostosados, e os meandrantes. De acordo com Cunha (2007) os retilíneos de modo geral de longa extensão são mais raros de acontecer na natureza, sendo decorrentes de eventos geológicos. Os canais retilíneos são resultado de condições de homogeneidade nas condições de atuação da água e da ação de trabalho do rio, já os meandrantes buscam equilíbrio entre as condições de declividade, vazão, condições do entorno, como a vegetação, e transporte da carga sólida. Os rios anomostosados são os que não apresentam canais bem definidos.

        Quanto à sua largura, esta pode ser maior, no período das cheias, ou, menor, no período da estiagem, denominadas de leito maior e de leito menor, podendo haver ainda o leito maior excepcional, nas épocas de grandes cheias.

Um curso d’água pode ser alimentado pelo lençol freático no período das cheias, ou alimentar o lençol no período da estiagem. A Figura 3 apresenta a ilustração de um rio retilíneo, meandrante, e das condições da largura do rio conforme as estações.

Figura 3: cursos d'água (a) retilíneo; (b) meandrante; e (c) níveis d'água conforme estações


        Formas que a água pode se encontrar no terreno e atuação no meio físico

         A literatura clássica apresenta o lençol freático, o qual tem ideia intuitiva conforme Rodrigues (1977), onde, supondo a existência de uma massa de areia úmida sobre uma placa impermeável, esta tenderá a se exsudar pelas extremidades da areia sobre a placa, e a região saturada tenderá a se limitar abaixo da linha indicada por N.F; esta linha representa a cota a partir da qual a água presente no material poderá alimentar um poço então escavado. A placa impermeável representa o substrato rochoso que de modo geral limita a presença da água para as regiões mais profundas, salvo quando esta tem acesso pelas fendas e, esta vem a alimentar os aquíferos confinados. conforme a Figura 4, a linha N.F tende a acompanhar a curvatura do material, assim como o N.F tende a acompanhar o perfil do terreno. 

Figura 4: Variação do lençol freático com relação à topografia

Quando se analisa o perfil de um terreno, observa-se que este pode apresentar as seguintes regiões com relação a forma em que a água se encontra disponibilizada:

     - Zona não-saturada. Nesta região a água está associada ao solo por fenômenos físico-químicos, não saturando os vazios do terreno. Está sujeita à pressão neutra negativa. A água nestas condições pode ser retirada do terreno pelas raízes das plantas, quando estas são alimentadas.

    - Franja capilar. Nesta região, a concentração da água é maior do que no caso anterior, mas os vazios do solo ainda não estão saturados. A água está acessível através da ascensão capilar, pelos canais capilares que são formados no terreno através da conexão de vazios. A franja capilar permite a presença da vegetação nas encostas.

      - Lençol freático. Nesta região os vazios dos solos estão saturados, e a água está sob o regime hidráulico dos solos saturados, e estão ainda sob a influência da pressão neutra positiva. 

A Figura 5 apresenta uma ilustração do perfil do terreno, da disponibilidade de água, e da vegetação.


Figura 5: Nível d’água, lençol freático e franja capilar


A dinâmica do meio físico

Fatores intervenientes na dinâmica do meio físico


Um dos ciclos mais importantes conhecidos da natureza é o ciclo hidrológico. Este tem como protagonista principal a água, nas suas diversas formas, e tem também a participação de outros personagens como, a vegetação, o terreno, as rochas, e outros.

Tomando-se como ponto de partida a água na forma de precipitação, têm-se que, esta pode ser interceptada parcialmente pela vegetação, através de suas folhas e copas, assim como, outra parte pode ser infiltrada pelo terreno, sendo, esta parcela dependente da estrutura do solo e da permeabilidade do terreno, e influenciada ainda pela declividade da área, pela presença de raízes, e de folhas depositadas no chão. Finalmente, outra parcela é direcionada para o escoamento superficial.


Quando se fala em infiltração se considera também a “estocagem da água no solo”, esta tem por fim satisfazer a demanda de água pelo terreno, podendo levar à saturação do mesmo, quando a partir de então o escoamento superficial é compreendido como o excedente. Além do escoamento superficial existe o escoamento sub-superficial, o qual tende a alimentar os cursos d’água. A Figura 6 ilustra todo o processo. O ciclo da água é fechado com a evaporação dos cursos d’água em regime livre, e pela evapo-transpiração, pela vegetação.

Figura 6: Ciclo de passagem da água pelo meio físico

As ações dinâmicas citadas podem contribuir para a ocorrência dos fenômenos de erosão, transporte, sedimentação e assoreamento no meio físico. Diante de tudo isto se deve considerar também a intensidade da precipitação, fatos marcantes em eventos do meio físico com conseqüências para o meio urbano.


Alguns aspectos do escoamento superficial e do escoamento sub-superficial


         O escoamento superficial tem como motor a gravidade, é bastante rápido, e tem duração intimamente relacionada com a duração da precipitação, sobretudo quanto aos máximos de intensidade. Ele é o responsável pelo rápido aumento da vazão nas enxurradas. Já o escoamento sub-superficial tem como motor o gradiente hidráulico dos solos, é lento, podendo ter um tempo de permanência muito maior no lençol freático. O escoamento subsuperficial ocorre segundo gradiente hidráulico no solo, mediante linhas de fluxo, onde a carga é consumida ao longo do escoamento (Figura 7). Pode ter atuação mesmo após o término da precipitação, com conseqüências perceptíveis para o meio físico, como a alimentação do lençol e dos córregos por períodos mais duradouros.

A erosão regressiva é resultante do processo de carreamento de partículas do solo em decorrência das forças de percolação, e que coloca em risco a estabilidade das paredes de escavações, de taludes, e de obras de terra. A erosão regressiva é conhecida também como fenômeno de entubamento, ou piping (Figura 7). 


 
Figura 7: Linha de fluxo, superfícies equipotenciais, e talude


A formação de tubos e vazios contribui para o colapso de estruturas de terra. 

       De acordo com Thornes (1980) é preciso haver um forte gradiente hidráulico de modo a se desencadear um processo de erosão regressiva, e, o fenômeno pode ser influenciado pela variação de textura, da permeabilidade e da facilidade de dissolução dos solos.

Modificações graduais na conformação do meio físico

Dentre os fenômenos graduais que pode ocorrer no meio físico existe a da erosão hídrica. Conforme DAEE (1989), o escoamento superficial pode provocar processos erosivos nos terrenos, conforme a duração e a intensidade da precipitação, e, sobretudo, do tipo de solo, da declividade, e das condições de exposição da vertente. O processo pode apresentar etapas, como ilustra a Figura 8:

         - Erosão concentrada em micro-depressões;
         - desenvolvimento vertical com a formação de canal em forma de “V”;
         - alargamento das paredes laterais;
         - formação de vales com o recuo das encostas;
         - formação de novos canais tributários.


Figura 8: Erosão superficial e ravinamento

Quanto ao escoamento sub-superficial, e da influência das forças de percolação, segundo DAEE (1989) pode-se desenvolver o processo de erosão regressiva, com possíveis ruínas e desbarrancamentos (Figura 9), com possível formação de um novo vale remontando em direção a montante da encosta.



Figura 9: Perda de estabilidade de talude por erosão regressiva

Por meio deste processo pode ser esculpida a paisagem do meio físico.

Outro fenômeno curioso, abordado em Coelho neto (2007), é o que acontece em fundo de vales. Considerando-se o teor de umidade no interior do terreno, pode-se levar em consideração a sua variação em função da distância do nível freático, e da distancia da borda do canal.

Inicialmente, pode-se imaginar um momento antes do início da precipitação; neste caso, a região próxima à borda, e ao nível freático apresenta condições de saturação, vindo o teor de umidade a diminuir com a distância do nível freático e da borda do canal (Figura 10). Após o início da precipitação têm-se as contribuições tanto do escoamento superficial como do sub-superficial, o nível do córrego se eleva, e o teor de umidade no terreno no perfil da encosta sofre modificações, com a profundidade e gradativamente com a borda do canal (Figura 10).

Em se continuando a precipitação a região adjacente à borda do canal alcança completo nível de saturação, e, em face do gradiente hidráulico, é movimentado o escoamento sub-superficial da encosta para o terreno e ao curso d’água. Este pode contribuir para a ocorrência de fenômenos erosivos nas margens.





Figura 10: Variação das condições de umidade e fluxo em um barranco conforme a variação da precipitação. Antes da precipitação (a), após o início (b), após alguns dias (c)



Bibliografia

COELHO NETTO, A.L. Hidrologia na encosta na interface com a geomorfologia. Geomorfologia uma atualização de bases e conceitos, Rio de Janeiro, 2007, Bertrand Brasil, pp.93-148 

CUNHA, S.B Geomorfologia fluvial. Geomorfologia uma atualização de bases e conceitos, Rio de Janeiro, 2007, Bertrand Brasil, pp.211-252

DAEE – Departamento de águas e energia elétrica, Secretaria de águas e saneamento, Governo do Estado de São Paulo. Controle de erosão. São Paulo, 1989, 92p. 

RODRIGUES, J.C. Geologia para engenheiros civis. 1977, São Paulo, Mc Graw Hill, 208p.

THORNES, J.B Erosional processes of running water and their spatial temporal controls: a teorical viewpoint. In: Soil erosion. 1980, M.J.Kirkby e R.P.C. Morgan, pp.129-182


Sobre o autor:Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.