quarta-feira, 11 de novembro de 2015

LAYOUT URBANO: TIPOS BÁSICOS, APLICAÇÕES E REFLEXOS PARA O USUÁRIO E PARA A GESTÃO URBANA


Marco Antônio de Morais Alcantara

#DesenhoUrbano #FuncionalidadeDoDesenhoUrbano


        Quando se fala em layout, se pressupõe a ideia de um croquis, de alguma coisa, de modo que esta coisa seja funcional. A configuração proposta para um layout urbano pode ser definida em função de fatores diversos, como: a imposição do meio físico, a tradição construtiva, ou os fatores de organização social, como já tem sido apresentado.

No caso do tradicional sistema de ‘reticulado xadrez’, os quarteirões são normalmente uniformes, quadrados ou retangulares, e dispostos de modo adjacente, e as vias assumem, a priori, igual hierarquia. Existe monotonia no traçado e na morfologia urbana, repetitiva, as quais não são necessariamente influenciadas pelas modificações do meio físico. Por causa disto, muitas disfunções urbanas têm sido geradas, em termos da funcionalidade dos sistemas de infraestrutura urbana, da priorização de tráfego, da segurança do usuário, e ainda dos custos, quando na implantação de obras deste tipo de  infraestrutura.

Os lotes, neste caso, são tratados como unidades individuais, não se refletindo, a priori, sobre as intervenções que serão necessárias para a implantação das edificações.


 Concepção urbana conforme o modelo do “reticulado xadrez”

Por outro lado, pode-se pensar em outros tipos de desenhos, onde é possível tirar partido da hierarquização viária, e de melhor atribuição dos espaços. Para ese tipo de caso, as vias recebem vocação diferenciada, como, nos casos delas serem de uso exclusivamente local, ou de serem vias coletoras. As unidades “quarteirões’ podem assumir geometrias diferentes da quadrada ou retangular, favorecendo a adequação do traçado viário à conformação do meio físico, e ainda, ao melhor empacotamento habitacional. Normalmente, se tira partido da viabilização de uma tipologia habitacional associada ao tipo de desenho. Os lotes, e as disposições das habitações, podem ser ajustados conforme as proposições para o traçado das quadras, e das vias, e ainda dos caprichos  do meio físico.
 Concepção urbana com ruas locais sem saída e lotes individuais

Quanto à tipologia habitacional, o traçado pode constituir-se de modo que, os lotes sejam perfeitamente individualizados, com habitações isoladas umas das outras, ou também, pode-se trabalhar com a tipologia habitacional definida por habitações geminadas.


 Concepção urbana com lotes e habitações individuais e lotes com habitações geminadas

Finalmente, tem-se o caso de se ‘romper com o quarteirão’, conforme proposto por Le Corbusier. A tipologia habitacional para esta situação pode ser definida à partir de edifícios de múltiplos andares, e o entorno também pode ser enriquecido com áreas verdes, parques, estacionamentos, e outros tipos de equipamentos urbanos, além de um sistema viário de acesso ao condomínio.



Concepção urbana rompendo com a rua e o quarteirão

Alguns reflexos do tipo de layout urbano na propriedade individual e na autonomia do usuário

Em geral, um traçado conforme o sistema de reticulado xadrez, de lotes, e de habitações individualizados, permite conceber a ilusão de que esta seja uma forma que atribui maior liberdade de utilização do espaço privado, por parte do proprietário, salvo, evidentemente, quando se impõem as restrições do código de obras local, ou quando a restrição é do meio físico; a interface “lote-conjunto sistema viário” constitui-se, aparentemente, como o vínculo do indivíduo com a estrutura urbana.

Quando se considera o traçado hierarquizado, este permite que o proprietário arbitre pouco sobre a sua maneira de intervir no espaço, pois esta proposta pode impor condicionantes em decorrência do meio físico e da tipologia habitacional proposta. Tem-se, ainda, que nestes casos, as áreas dos lotes podem ser menores, e com a contra partida de se ter disponíveis áreas de uso compartilhado para vivência, como áreas verdes e parques, impondo restrições para a autonomia do usuário.

Já no caso dos sistemas de edifícios de múltiplos andares, à Corbusier, todo o conjunto é racionalizado, de modo a se considerar o espaço do entorno como extensão do espaço individual, comum a todos, de modo que a condição de arbitragem individual se torna ainda menor do que nos casos anteriores. Toda pluralidade de construções nestes casos é concebida de modo de modo a se promover o desenvolvimento humano, a aumentar a qualidade de vida, e o nível de relacionamento entre os indivíduos de uma mesma coletividade.

Outro aspecto é o do custeio dos serviços implantados. Nos serviços urbanos básicos que envolvem a vida social do loteamento, os custos devem ser rateados por unidade de habitação, independentemente da utilização de cada serviço particular, ou da aprovação individual da implantação de um tipo particular de serviço.


Alguns aspectos sócio culturais e a morfologia urbana

Segundo Goitia (1982)*, as diversas civilizações puderam promover diferentes tipos de cidades, conforme as suas nuances culturais.

A cidade grega, a cidade estado, era compreendida como o conjunto dos eleitores, sendo que, eram eleitores aqueles que poderiam intervir na ordem moral e judiciária da cidade.  Por outro lado, a cidade nórdica era a cidade que preservava o modo de vida campestre, e surgiam as ruas e logradouros como que do ajuntamento de edificações, a vida do campo era valorizada; já a cidade latina era a urbe, a qual procurava romper com o campo, era valorizada a praça, como espaço político social e para discussões, e também as fachadas dos edifícios, de modo que o movimento das pessoas era de fora das casas para os espaços de discussão; contrariamente, na cidade nórdica a praça existe mas não como na cidade latina, e em seu lugar predominam gramados e campos, resgatando a vida com a natureza.

A cidade muçulmana tinha algo de diferente do que as demais, pois a religiosidade e a vida privada eram aspectos muito relevantes; no lugar da ágora grega, e das praças latinas, ou dos campos abertos, predominam as mesquitas; as casas são valorizadas no interior, e as fachadas negligenciadas, as ruas ou logradouros são como que consequência do labirinto criado pelas edificações.

Nota-se que, as cidades e o desenho urbano procuram estar em sintonia com a cultura de cada povo, e interessa como que cada tipo de usuário se apropria do espaço, e nele intervém, da maneira que ele se organiza e vive.

*GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismoColeção Dimensões, Martins Fontes, Presença, Lisboa, São Paulo; 1ª edição, 1982.



Sobre o autor: *Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.