sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

INSTABILIDADE E DEGRADAÇÃO ACELERADA DO MEIO FÍSICO DECORRENTES DE MÁ EXECUÇÃO DE OBRAS URBANAS




Marco Antônio de Morais Alcantara

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A problemática da erosão

Erosão de taludes


         O solo superficial normalmente é mais rico em argila e humus, e é por natureza mais coesivo. Além disso ele apresenta melhores condições para fixar a vegetação. Isto faz com que ele seja mais resistente aos processos de erosão. O solo profundo, a exemplo dos solos saprolíticos, é de natureza mais siltoso a arenoso, é menos rico em humos, podendo este estar até ausente, e deste modo ele apresenta maior susceptibilidade aos processos erosivos. Por esta razão, quando em cortes e aterros considera-se um risco a exposição prolongada dos solos saprolíticos ou profundos.

Solos e horizontes, diferenciação pela textura

Erosão fluvial

      A erosão fluvial é resultante do processo de erosão e deposição de sedimentos em cursos d’água, notadamente em seus pontos de inflexão ou curvaturas. Este processo que na natureza faz parte da remodelação do relevo da Terra.


Curso d’água provocando erosão de margem e sedimentação

No meio urbano ele tem sido preocupante, sobretudo porque o volume de água transportado pelos rios tem sido mais elevado, notadamente pelos efeitos da urbanização, e tem posto em risco obras de infraestrutura e habitações, o que tem levado a necessidade de constantes obras de contenção.

     Um outro aspecto da erosão fluvial está nas obras de artes. Quando da passagem de cursos d’água sob pontes e viadutos existe a variação de velocidade em decorrência das modificações das condições de escoamento, induzindo o processo de erosão. Cunha (2007) considera como importantes favorecer o processo de erosão fluvial a velocidade da água e o nível de turbulência.

       Pode-se sub-dimensionar a vazão. Nestes casos existe o risco da ocorrência da erosão fluvial; deve-se estar sempre atento à ocorrência deste fenômeno. A proteção das margens é uma questão importante neste assunto.

Erosão superficial, e instabilidade dos terrenos

      A problemática da erosão e as suas conseqüências desastrosas consiste em que deve haver compatibilidade entre o processo erosivo e o processo de formação e de reposição de solos. A princípio o processo de erosão é um processo natural como elemento formador da paisagem da Terra, quando os processos são conduzidos de modo natural, em resposta aos desajustes impostos pela natureza.

Quando a erosão é resultante da ação antrópica, a velocidade de perda de solos pode ser maior do que a velocidade de reposição de solos, resultando na tendência para a exposição da rocha sã.  Como saldo negativo de um processo erosivo fora de controle em um loteamento pode-se apontar para a perda de solos, muitas vezes inclusive de terrenos já parcelados e loteados, sem possibilidades de recuperação; a perda de infra-estrutura urbana e de serviços contratados já executados; custos de correção topográfica, quando possível o acerto; e os de recuperação de áreas degradadas.

         O processo de erosão superficial pode ter início a partir do impacto de uma gota precipitada sobre o terreno, seguido pelo deslocamento e carreamento das partículas, e pela formação de sulcos, os quais podem contribuir para a concentração de águas superficiais no escoamento, e caminho preferencial. 

No início, o processo é denominado por erosão laminar, face à identificação do tipo de escoamento que ainda se processa, do tipo laminar. Com o prosseguimento do processo o escoamento deixa de ser do tipo laminar, assim como, os sulcos adquirem dimensões maiores, denominadas por ravinas, e normalmente apresentam a forma de v. Quando o processo de erosão intercepta o lençol freático ele se torna palco de eventos diversos, como a erosão regressiva; os descalçamentos de taludes e paredes, as quedas e os escorregamentos de taludes.

De acordo com Guerra (2007) os fatores principais que podem influenciar no processo de erosão superficial quanto a magnitude de seus eventos são:

- As características da precipitação;
- as características dos solos;
- as características da encosta e da vegetação;
- as características geométricas da encosta.

       As características da precipitação são importantes pois a sua intensidade pode definir o impacto das gotas sobre o solo, e, a energia cinética envolvida no processo, capaz de poder mobilizar as partículas do solo; ainda, a precipitação pode definir a condições de saturação dos solos, de modo a favorecer o escoamento superficial.

         Com relação ao tipo de solo, deve se considerar as suas condições de coesão e de agregação. Ainda, deve ser considerada a capacidade de infiltração da água no solo, de maneira a favorecer menos o escoamento superficial.

De modo geral os solos siltosos e arenoso tendem a apresentar menor agregação do que os solos arenosos. De acordo com DAEE (1989), considerando solos existentes no estado de São Paulo, são apontados os solos podzólicos como os mais susceptíveis ao processo, visto que eles apresentam o horizonte B de acumulação, impermeável (dificultando a infiltração da água), e o horizonte A silto-arenoso. A ilustração seguinte apresenta uma comparação entre os casos de solos podzólicos e de latossolos.

                                                 
Escoamento em solos tipos podzólico (a) e latossolos (b)

Com relação à característica da encosta e da vegetação, considera-se muito importante o papel agregador das raízes, a redução do impacto das gotas d’água, a interceptação de parte da precipitação, e a influência no escoamento superficial, tanto refreando como favorecendo a infiltração

As características geométricas da encosta são importantes, pois influenciam no favorecimento do escoamento superficial, assim como, no percurso requerido para o transporte dos sedimentos. Dentre os fatores que são mais os relevantes, tem-se a topografia, visto que ela pode influenciar na velocidade de escoamento das águas. Todavia, ela pode ainda estar associada a outras características geométricas, e, segundo Guerra (2007), as formas de colinas (onde se encontram os solos podzólicos), são as mais susceptíveis. Ainda, conforme DAEE (1989), têm-se a profundidade do lençol freático e a influência do tipo de rocha matriz. O tipo de rocha matriz exerce normalmente influência indireta, como, por exemplo, a natureza dos minerais e solos formados, sua textura e coesividade.

As tabelas 1 e 2 apresentam as classificações das classes de declividade e tipos de solos que mais podem favorecer ao processo de erosão, conforme Ross (2003).

Tabela 1: Classe de declividades dos terrenos e susceptibilidade de erosão

Classe de declividades
Categorias
% de inclinação
Muito fraca
Até 6%
Fraca
6 a 12%
Média
12 a 20%
Forte
20 a 30%
Muito forte
Acima de 30%


Em um exemplo de recomendações apresentadas pelo mesmo autor, os valores de declividades podem estar coerentes com os índices de ocupação dos terrenos, de modo a favorecer a preservação ambiental.

Tabela 2: Tipos de solos e susceptibilidade de erosão

Classe de fragilidade de solos
Categorias
Tipo de solo
Muito fraca
Latosolo Roxo, latossolo Vermelho Escuro e Latossolo Vermelho Amarelo textura argilosa
Fraca
Latossolo Amarelo e Vermelho Amarelo textura média/argilosa
Média
Latossolo Vermelho Amarelo, Terra Roxa, Terra Bruna, Podzólico Vermelho Amarelo textura média argilosa
Forte
Podzólico Vermelho Amarelo textura média/arenosa e Cambissolos
Muito forte
Solos Podzolizados com cascalho, Litólicos e Areias Quartzosas.

Do quadro apresentado se compreende facilmente as razões pelas quais alguns municípios paulistas são mais susceptíveis a apresentar os fenômenos de erosão do que outros, como são os casos dos municípios situados na bacia do sistema Peixe-Paranapanema, conforme DAEE (1989).

Outros casos preocupantes são os loteamentos situados em formações montanhosas, e que tenham que expor os solos saprolíticos. Como causas antrópicas para que se desencadeiem os processos erosivos mais danosos têm-se o desmatamento, o lançamento de águas pluviais sem os cuidados na dissipação de energia, as drenagens rodoviárias mal concebidas, e as obras hidráulicas mal concebidas. Os cronogramas de obras de infraestrutura urbana devem estar em compatibilidade de modo que o solo não fique exposto por períodos prolongados, desprotegidos, assim com diante da ausência de meios para se promover o disciplinamento das águas pluviais.    

A força de percolação, e a erosão regressiva

A percolação da água nos solos se processa a partir da existência de um gradiente hidráulico, i, conforme ilustrado a seguir segundo Bueno e Vilar (1980).

Ilustração do esquema da percolação da água no solo


O gradiente hidráulico é dado por:

i= ∆h/L

Onde, ∆h é a carga hidráulica, e L é o caminho percorrido. Desta forma, tem-se a vazão dada por:

Q = k.i.A

sendo, Q é a vazão dada por l/s, i é o gradiente hidráulico, e A é a área da seção transversal de controle.
        
A vazão no escoamento sub-superficial pode ser influenciada pelo tipo de solo, pela porosidade e pela permeabilidade destes, de modo que existe uma constante de proporcionalidade que influencia na vazão em função de um gradiente hidráulico. Obedece às imposições dadas pelas linhas de fluxo, ditadas pela mecânica dos solos para este fenômeno.

De modo geral, as linhas de fluxo, conduzem a mesma vazão unitária, são paralelas, e não se cruzam; já as superfícies superficiais, previstas no modelo, são ortogonais às linhas de fluxo, e, a passagem de uma equipotencial para outra representa um valor fixo de perda de carga ao longo do processo de percolação de água no solo. As linhas de fluxo podem assumir configurações diversas conforme a intervenção ou a natureza da obra, respeitando-se, entretanto, as condições estabelecidas, como, de nunca se cruzarem, e de se manterem sempre ortogonais as linhas que representam as superfícies equipotenciais.

A percolação de água no solo pode se dar com forças denominadas por “forças da percolação”, as quais promovem o arraste de partículas do solo, criando, então, vazios no interior do terreno. Este processo é denominado por “entubamento”, “piping”, ou ainda erosão regressiva. A força de percolação e dada por:

fp= i.γw 

A ilustração seguinte é apresentada uma vertente básica, destacando a ocorrência do escoamento superficial, do escoamento sub-superficial, e da alimentação do lençol. 



Redes de fluxo (a) e formação de erosão regressiva (b)
        
O fator relativo à precipitação e o alto nível de saturação de solos explica porque os fenômenos de desestabilização de encostas ocorrem frequentemente no verão, tendo em vista os elevados índices pluviométricos.


Problemas de ocupação de terrenos

Casos de maciços intemperizados, blocos e rochas
        
A instalação humana ocorre sobre uma camada de material intemperizado, e denominado por regolito, podendo este ser mais espesso ou delgado, assim como, apresentar transição a qual pode variar da gradual à brusca, com relação ao grau de intemperização. Este é o resultado de fatores diversos como o clima, a vegetação e, sobretudo, a topografia da área. Em face disso, têm-se materiais com diferentes características e propriedades, tais como textura, rigidez, e permeabilidade, de modo que, a absorção de impactos, a inércia, e o fluxo de águas, por exemplo, vão se manifestar de modo diferenciado, quando considerados os diferentes estratos.

Outro aspecto importante quando considerada a estabilidade é que a ancoragem entre os diversos estratos se dá de modo tênue, por meio das inclusões criadas pelos elementos de transição, e, a vegetação e o atrito cumprem com papel fundamental para a conservação da estabilidade. Não existe um comportamento solidário entre as partes e diante de possíveis vibrações, ou da diminuição do atrito, a gravidade atua de modo a colocar em movimento o maciço, ocorrendo, então, a desestabilização. São os casos de desmoronamentos, escorregamentos, e quedas de rocha.

Diferenciações entre materiais se dá, por exemplo, quando se considera uma camada de material intemperizado sobre a rocha sã, ou ainda, quando existe uma camada de argila impermeável abaixo de uma camada mais porosa. Neste caso, a água tende a se concentrar no solo pela saturação, aumentando o peso atuante, e também lubrificando a interface entre as camadas, reduzindo o atrito, favorecendo o deslocamento entre as partes e o posterior escorregamento. O acesso da água se dá, sobretudo, pela precipitação, ou pela infiltração através de fendas das rochas.

As ações antrópicas que podem favorecer à desestabilização de maciços são o desmatamento, visto que a vegetação contribui para interceptar parte das águas precipitadas; os cortes indevidos, expondo o solo saprolítico, permeável; o lançamento de águas de drenagem de modo desordenado; e a ocupação, com a utilização de fossas.

    As condições favoráveis para o deslizamento são em geral o grau de fraturamento do maciço, a susceptibilidade do material á decomposição, e os planos de escorregamento e de estratificação.

      Um caso especial é o de desestabilização e rolamento de matacões. Estando eles alojados muitas vezes em matriz de solo intemperizado, estes podem vir a se deslocarem mediante possíveis vibrações e pela redução do atrito, vindo a rolar sobre áreas habitadas.

      Como meios de se prevenir desastres urbanos como os citados podem ser considerados a utilização de laudos geotécnicos para a ocupação de áreas costeiras, a utilização de técnicas compatíveis com o meio físico, minimizando os cortes excessivos e, inclusive, adotando-se lay-out urbanos que favoreçam quanto à isto; o desmatamento e as taxas de ocupação devem ser minimizados, assim como os limites de áreas impróprias condenadas pelos geólogos devem ser respeitados.

    Um movimento importante é o rastejo. É o movimento lento e gradual do regolito. Este pode também ser influenciado pela ação antrópica, influências que podem ser provocadas por desmatamento, infiltração e conseqüente saturação do solo. O rastejo pode ser um indicativo de que algum processo está ocorrendo em termos de deslocamento do regolito, sendo denunciado pela presença de fendas de tração na superfície do solo, e pelo deslocamento relativo de cercas e postes.



Movimento acelerado do regolito
        
Cabe considerar também um tipo de desestabilização no meio urbano que acontece de modo particular pela perda de sustentação dado pelo peso da ocupação e pela presença de vazios no interior do subsolo. É o caso denominado por subsidências. Estas podem ter ocorrência particular quando o extrato inferior é de natureza calcárea, facilmente dissolvida pela ação da água á longo prazo. Um caso de intervenção preocupante e dado pela ação antrópica é o de bombeamentos.

Subsidência por ação de puncionamento no terreno

Casos de aterros e ocupação

       O modo de ruptura do solo é por cisalhamento, o qual depende dos parâmetros de atrito e de coesão dos solos. O atrito é peculiar aos solos arenosos, enquanto que a coesão é encontrada preferencialmente nos solos argilosos. A resistência ao cisalhamento é função das tensões efetivas desenvolvidas no solo.

A pressão efetiva é a pressão que efetivamente o solo está suportando, diferenciando-se da pressão neutra, a qual é suportada pela água. Durante o processo de adensamento ocorre a consolidação do terreno, com a expulsão da água e a transferência gradativa da pressão suportada pela água para que seja suportada pelos grãos do solo.

Neste sentido, uma questão importante é o histórico de adensamento do terreno. A tensão de pré-consolidação é a tensão que o solo já suportou em um determinado momento ao longo de sua história de carregamento. Deve haver compatibilidade entre a dissipação da pressão neutra e o carregamento, para que não ocorra a ruptura do aterro.

       O adensamento auxilia na melhoria dos parâmetros de resistência dos solos.



Bibliografia

BUENO, B.S; VILLR, O.M. Mecânica dos solos, 1980, Editora UFV, 131p.


CUNHA, S.B Geomorfologia fluvial. Geomorfologia uma atualização de bases e conceitos, Rio de Janeiro, 2007, Bertrand Brasil, p.211-252

DAEE – Departamento de águas e energia elétrica, Secretaria de águas e saneamento, Governo do Estado de São Paulo. Controle de erosão. São Paulo, 1989, 92p. 

GUERRA, A.J.T Processos erosivos nas encostas. Geomorfologia uma atualização de bases e conceitos, Rio de Janeiro, 2007, Bertrand Brasil, pp.149-209

ROSS, J.L.S Geologia aplicada aos EIAs-RIMAs. Geomorfologia e meio ambiente, Rio de Janeiro, 2003, Bertrand Brasil, pp.291-336 



Sobre o autor:
Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.