sábado, 5 de abril de 2025

Projeto rocinhas, uma experiência de extensão universitária em Ilha Solteira-SP

 


Marco Antônio de Morais Alcantara

A periferia urbana tem sofrido algumas transformações nos últimos anos, sobretudo em termos de valorização, devido ao ar puro, aos lotes maiores, à fuga da cidade, à ausência de ruídos, e a autonomia. As áreas rurais periurbanas tem sido “assediadas” pelo capital imobiliário, e ameaçadas. O indivíduo do meio rural muitas vezes tem sido aquele que habita e produz no meio rural, e que utiliza do espaço urbano para a venda e o escoamento dos seus produtos. Neste sentido se forma um binômio campo-cidade. No contexto atual, de difícil abstenção de se interagir com o meio urbano, o homem rural necessita também de alguns dos serviços oferecidos pelo município, de modo que este venha a gozar de plenitude de vida, e suprir suas necessidades; dentre estes serviços se encontram os ligados às questões sanitárias, de saúde, de habitação, de educação e de infraestrutura básica. A Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, por meio do curso de Engenharia Civil, desenvolveu um projeto de extensão universitária para levar alguns princípios à população habitante em uma área denominada por área de “rocinhas” em Ilha solteira, em especial no que tange à transferência de tecnologia.  

 

Atividades realizadas

 

Do ponto de partida do projeto

Primeiramente foram realizados alguns estudos e reuniões com os discentes, onde se procurou discutir alguns temas sobre o contexto e as contingências do morador em áreas rurais e em assentamentos.

Considera-se que um projeto de extensão universitária vai além de uma mera prestação de serviços, mas sim a transmissão de conhecimentos e de formação que venham a melhorar o contexto de uma população.

Procurou-se inicialmente então discutir, dentro do escopo da sociologia rural, o que tange ao modo de organização do trabalho, e das relações destes habitantes do meio rural com o meio urbano, sendo este um processo interativo; também, considerou-se as contingências deste extrato da população em termos da valorização de sua cultura, e também do seu potencial como protagonista, dentro dos assuntos técnicos de organização, relativos às suas realidades de vida.

Logo, percebeu-se conforme Martins (2001), uma nova visão de paradigmas, onde, o papel do projeto, inicialmente previsto como um repasse de conhecimentos e de assistência técnica, visto em um sentido “assistencial”, teria uma mudança, no sentido também de que, agora se considera também a contrapartida dos ruralistas, em termos de se compreender as suas visões de vida, e dos seus modos de sobrevivência, no sentido de também se pudesse aprimorar possíveis técnicas por eles desenvolvidas.

O intuito das primeiras reuniões era no sentido de apresentar aos alunos um quadro do contexto onde eles deveriam desenvolver, para promover neles a motivação e um pensamento unânime.

 

Da sistemática realizada

Para atender o que de antemão havia sido proposto no plano, foram realizadas algumas reuniões com o intuito de se discutir as ações que poderiam ser implementadas no projeto.

Logo, foram levantadas questões sobre a situação fundiária dos moradores da área, em especial nos lotes que seriam visitados, para se trabalhar dentro de uma realidade que pudesse estar em coerência com os mapas oficiais.

Por meio de imagens disponibilizadas, foram vistas as características da área frente ao meio urbano, procurou-se, através de cartas oficiais, a delimitação do perímetro urbano, e constatou-se que a área era legalmente reconhecida como uma área periurbana.

Também foram levantadas questões do modo efetivo de vida da população do projeto, em termos de serem fundamentados em hábitos de modo rural ou urbano, bem como, a ligação e a conexão da área com o meio urbano em termos de vias de acesso, e ainda, dos serviços públicos urbanos oferecidos à área.

Buscou-se mapas da região junto aos setores competentes da prefeitura, e do ITESP, com respeito à questão fundiária dos lotes.

Foi encontrado um consenso no sentido de se interrogar à população, em termos de algumas questões tais como: origem, ocupação, uso do solo, instalações produtivas, condições sanitárias e acomodação.

 

Visita de reconhecimento na área

Realizou-se uma visita técnica exploratória na área, identificando-se as condições de infraestrutura, de paisagem, dos lotes ocupados, dos lotes ociosos, e os conflitos presentes na ocupação da área, como o verificado pela proximidade de algumas casas com o linhão de energia, procedente da Usina Hidroelétrica de Ilha solteira.

Foi também constatado tanto o caráter rural relativo ao modo de vida da população, com relação simbiótica com o meio urbano.

 

Ações pós reconhecimento da área

Foi realizada posteriormente uma outra visita técnica, com a abordagem dos moradores.

Desta visita técnica foram observadas as condições com relação às instalações rurais e produtivas, assim como com as condições de habitação e de vivência.

Na busca de temas técnicos, decidiu-se adotar o “solo-cimento autoadensável”, desenvolvido na FEIS UNESP, como um tema de transferência de tecnologia; este é apresentado em Berté e Alcantara (2014); trata-se de um material que permite a autonomia do usuário produtor, em acordo com os moradores e exploradores da área rural, e que dispensa grandes equipamentos, além de um misturador.

O solo-cimento também é um material excelente nos desempenhos térmico e acústicos, adequado para habitações e instalações rurais, de encontro ao caráter de conforto ambiental.

Os problemas de conforto térmico são relevantes na região de Ilha Solteira, assim como, os solos locais da área de estudo se mostravam favoráveis ao uso para a produção do solo-cimento autoadensáveis.

 

Do estudo tecnológico

Foram selecionadas algumas das amostras de solo-cimento autoadensável que se encontravam acondicionadas na câmara úmida do laboratório de materiais, do Departamento de Engenharia Civil, as quais estavam em cura após um período de aproximadamente até 10 anos, acondicionadas em embalagem plástica.

Este material foi destinado à realização de ensaios mecânicos para a verificação dos valores de resistência mecânica, verificando as condições de resistência mecânica, e de poder inferir sobre a durabilidade destes.

Realizou-se os ensaios dos corpos de prova de solo-cimento autoadesável, os quais indicaram um desempenho mecânico situado entre 3, 4 e 5 MPa, conforme a dosagem e a presença de adições minerais coadjuvantes. Estes resultados se encontraram coerentes com os valores anteriormente encontrado em Bermudez e Alcantara (2014) e Claverie e Alcantara.   

Ainda, foram elaborados por cada aluno os relatórios de feedback, encerrando-se as atividades do projeto durante o ano.

 

Algumas observações importantes do projeto

O período do projeto coincidiu com o momento em que se deu o processo de regularização e entrega dos títulos fundiários aos ocupantes da área.

Observou-se que, quando na segunda visita, quando já haviam sido entregues os títulos fundiários de usufruto dos terrenos, havia a presença de diversas novas construções.

Ainda, observou-se que algumas casas que estavam em execução seguiam o padrão de construção tradicional, em termos dos materiais e dos processos construtivos.

Algumas preocupações restaram quanto ao futuro da área, mediante o fomento criado pela valorização dos lotes, rompendo possivelmente com o caráter semi rural encontrado para a maioria dos lotes.

Quanto ao repasse de tecnologia do solo-cimento autoadensável, este se mostra pertinente, uma vez que na área ainda restam predominantemente famílias com vocação para as atividades lúdicas e de manuseio, ligada aos materiais cotidianos.

Sobre os serviços públicos na área, do ponto de vista do cooperativismo, pode haver uma presença de adesão, de modo que possa trazer as melhorias necessárias, tais como o transporte escolar, a coleta interna do lixo, e a eletrificação por rede elétrica, contudo, estes mesmos benefícios poderão influenciar no fomento dos lotes para urbanização.

As vias que conduzem aos lotes são não pavimentadas, sujeitas à concentração de águas e às dificuldades ao tráfego durante o período das chuvas. Mas por outro lado, isto consiste em um campo promissor para as experiências no município em áreas de estabilização de solos.

 

Referências

 

BERMÚDEZ, M. E.H. T, ALCANTARA, M.A.M.  O solo-cimento autoadensável com adição de pérolas de poliestireno expandido. In: Congresso Brasileiro do Concreto, 56, Natal, 2014, IBRACON, ANAIS...IBRACON...2014, np.

BERTÉ, S.D; ALCANTARA, MA.M. Estudo do comportamento do solo cimento autoadensável.  REVISTA ELETRÔNICA DE ENGENHARIA CIVIL, Goiânia, V.7, 2, UFG, 2013, pp.37-52

CLAVERIE, J; ALCANTARA, M.A.M. Influência da cinza de casca de arroz e da cal hidratada na resistência mecânica do solo-cimento autoadensável enurecido. In: Construção de cidades verdes, Araçatuba, 2016, ANAP, Anais...ANAP, 2016, pp.559-572

MARTINS, J.S. O futuro da sociologia rural e a sua contribuição para a qualidade da vida rural. ESTUDOS AVAÇADOS, 2001, 15, 43, pp.33-36