Marco Antônio de Morais Alcantara
#EnsinoDeEngenhariaUrbana
Um curso sobre construção de obras urbanas foi elaborado por mim e teve início como disciplina optativa na Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira a partir de 2008. Desde então algumas turmas já passaram, desde com 3 apenas até com 25 a 26 alunos. As turmas mais recentes variaram entre 11 a 16 alunos. Gostaria de compartilhar aqui um pouco sobre esta experiência.
A motivação para o curso
O propósito da criação da
disciplina foi o de elaborar uma proposta de disciplina que fosse análoga à de
Construção de Edifícios, ou Tecnologia da Construção civil, mas direcionada para
o caso das obras de infraestrutura urbana, e da construção de empreendimentos
imobiliários, além dos aspectos de intervenção no meio físico e da sociedade,
de modo a se evitar os sinistros e as disfunções urbanas em fases de
pós-ocupação.
O conteúdo do curso
O conteúdo do curso é subdividido
em vários temas tais como:
Concepção do espaço urbano
A primeira parte do curso é
direcionada para a concepção urbana, procura-se discutir a organização política
e social, e como isso tudo reflete no modo de apropriação do espaço urbano; então,
alguns aspectos vêm à tona, como a maneira de que tudo começou...as primeiras
cidades, a infraestrutura que era presente, a quem ela servia, quem eram os
elementos humanos representativos, e como se vivia dentro de uma sociedade
“engessada”. A dependência dos fatores naturais para a viabilização de um
núcleo urbano, a sua sustentabilidade, e como se dava a prosperidade de uma
sociedade. Estado e sociedade se confundiam.
Dentro de um espaçamento no tempo,
se direciona para o mercantilismo, a manufatura e a revolução industrial. Os
burgos passam a ganhar importância, o comércio e o consumo. Novas maneiras de
se compreender o mundo são levantadas com base na reforma protestante e nas artes,
no iluminismo e no desenvolvimento científico e tecnológico, permitindo a
revolução industrial, e a criação de mais valia. Uma nova reconfiguração se dá
em termos políticos. As cidades se aglomeram criando um caos, de modo que deste
reclamou a criação de novas concepções. O mundo da época passou a ter que
pensar não somente em um edifício, mas na complexidade criada por um sistema
que contempla vários edifícios, vias e espaços de circulação. Os problemas de
densidade populacional e habitacional passaram a ser percebidos, assim como
outros de saúde e trabalhistas. Estava se formatando os conceitos e direitos
mínimos de cidadania no mundo ocidental.
Propostas de cidades jardins e
cidades zoneadas passaram a ser apresentadas. O mundo mudou de um conceito de
rural para o urbano. A cidade passou a ser um lugar de oportunidades de ascensão
social. As funções se multiplicaram, as formações técnicas se diversificaram, o
individualismo aumentou, no sentido de que cada um daria conta de si mesmo, e
do seu sustento, diferentemente dos sistemas de servidão onde o patrão era como
o senhor e tutor do servo. Das condições de trabalho do “homem-máquina” e da
necessidade da gestão do espaço, em termos de suas apropriações vieram as
propostas de Le Corbusier no congresso realizado em Atenas em 1933, a qual
ficou conhecida como a Carta de Atenas. Estes princípios vieram a nortear o
planejamento da cidade ocidental.
"Para cada época da civilização se interroga sobre como os eventos sociais, e tecnológicos contribuíram para a reflexão do que faltava para as novas cidades"
Não obstante os princípios
funcionais propostos para o planejamento urbano, a organização urbana conta com
a interferência dos seus moradores ou interventores, em resposta a uma visão da
vida e do papel funcional que cada acessório urbano pode oferecer. Pode-se reconhecer
dentro das estruturas urbanas aquelas que são voltadas para a privacidade de
seus indivíduos, assim como para uma vida compartilhada; algumas privilegiam o
contato do ser humano com a natureza, mesclando-se a cidade com o campo,
enquanto que outras procuram valorizar praças, fachadas, e a vida política
social, como é o caso da sociedade latina.
Um, arranjo da estrutura urbanase
faz necessário compreender, no qual estão inseridos os elementos funcionais
presentes, a disposição destes, a densidade populacional e habitacional, a
tipologia habitacional entre outras coisas. Dentro da proposta de um
loteamento, se faz necessário compreender o uso que a população fará dos
equipamentos urbanos, fato que, quando não bem compreendido, se caracteriza no
caso de disfunções urbanas.
Elementos morfológicos e dinâmicos do meio físico
Em primeiro lugar, são
apresentados alguns subsídios importantes para a compreensão da parte física do
curso, tais como:
- O conceito de “energia livre”.
"A natureza não está parada e ela sempre se manifesta diante da existência de gradientes"
"A natureza não está parada e ela sempre se manifesta diante da existência de gradientes"
- Atividade físico-química e fenômenos
capilaridades. Estes são responsáveis por eventos importantes no meio físico e
nos materiais.
- Elementos materiais presentes no
meio físico. Se distingue os minerais e as rochas, a matéria orgânica, a água,
o ar e o ambiente envolvente.
De modo a se visualizar a
configuração dos elementos envolventes, tem-se a caracterização geral do meio
físico de interesse para o engenheiro.
A caracterização geral do meio
físico é apresentada, como a conformação do terreno, e as implicações entre
morfologia da área e a implantação dos sistemas de infraestrutura urbana:
drenagem, concentração de águas, acessibilidade e consumo de energia, posição
do lençol freático em obras e as condições de ventilação e de insolação.
Além da conformação do terreno, elementos
do meio físico com função de drenagem são destacados. Apresenta-se a caracterização
dos sistemas naturais, tais como vertente, curso d’água, espigão, bacias de
drenagem, rede fluvial e hierarquia. Ainda, a morfologia dos sistemas de
drenagem natural, como a vazão transportada, a carga de detritos, a declividade
de vertente, a declividade do perfil longitudinal de um curso d’água, e a densidade
de drenagem.
Tendo em vista a existência de
inter-relação, o perfil do terreno e a água, o lençol freático e a sua
configuração com a topografia. Ainda, as regiões do perfil e a forma da
presença da água: zona aerada, franja capilar, lençol freático.
Finalmente, a presença de
vegetação e o perfil do terreno, florestas, encostas, mata ciliar, gramíneas,
serrapilheira.
Fenômenos envolvendo a dinâmica do meio físico
Como dito, a natureza não está
parada, e os elementos citados podem interagir entre eles.
São colocados em evidencia movimentos
da água: precipitação, interceptação pela vegetação, infiltração, estocagem
d’água no solo, escoamento superficial, escoamento sub-superficial, evaporação,
evapotranspiração.
"O contexto pelo qual se encontra o meio físico assim como as suas contingências pode induzir a processos geomorfológicos, tais como a erosão, o transporte de sedimentos e o assoreamento"
A ação recebida pelo terreno vai
depender do regime de escoamento e da condição de exposição deste, como no caso
desmatamento. Muitos loteamentos vêm a se degradar por causa da ação das águas
de precipitação sem o devido disciplinamento das águas pluviais. Ressalta-se no
curso que o escoamento subsuperficial se diferencia do escoamento superficial,
em termos de regime hidráulico e com aplicação de forças de percolação no solo,
as quais induzem à erosão regressiva, conhecida como “entubamentos” ou “piping”.
São colocados em relevância os processos
graduais de modificações do meio físico em função da erosão hídrica, da erosão
fluvial e da erosão regressiva.
São distinguidos os casos de fundos
de vales, e a influência das precipitações, sobretudo com relação à variação do
teor de umidade e da distância do nível freático, com relação à borda do canal,
e a influência do escoamento subsuperficial implicando em instabilidades.
São caracterizados os casos de
ocorrência de voçorocas, com base na interação dinâmica do meio físico e no
agravamento com as intervenções. São destacados os aspectos de erosão laminar,
ravinamento e voçoroca e as implicações com relação ao estado de degradação e
de condições de recuperação das áreas.
O meio físico como suporte de obras urbanas e de fornecimento de
materiais
Nesta seção se estaca os tipos de ocorrência de rochas, conforme a
geologia básica. É ressaltada a importância da localização geográfica para o
engenheiro, em termos da disponibilidade e da qualidade dos materiais. São
apresentados os afloramentos cristalinos, o regolito, o moledo e o matacão;
qual é a importância do perfil do terreno quando na intervenção.
"A questão é: onde eu estou intervindo"?
"A questão é: onde eu estou intervindo"?
É apresentado o conceito do solo
como um corpo em evolução: horizontes de alteração, processos pedológicos, e a classificação.
Do ponto de vista tecnológico são apresentados os solos lateríticos e solos
saprolíticos; os conceitos de solos conforme a classificação MCT. É dada a visão
geral de comportamento em engenharia.
Interação do meio físico com a construção urbana
De modo a se compreender as
intervenções no meio físico, é dada a apresentação deste como sistemas e
subsistemas. São apresentadas noções de sistemas em geomorfologia: "sistemas
morfológicos", "sistemas em sequência", "sistemas de retroalimentação", e "sistemas
de processos e respostas". Vêm o conceito dos mecanismos reguladores, quando
então estes podem ser infringidos no processo de construção urbana.
"A construção urbana é vista como uma intervenção no sistema geomorfógico, através das ações do processo construtivo, deixando consequências no ambiente físico"
Um outro aspecto é o da análise de
disfunções urbanas em função da conformação da área e da disposição dos
sistemas de infraestrutura urbana. São discutidos casos de ocupação e das
condições impostas de drenagem, explorando os meios disponíveis, considerações
sobre a morfologia da área e disposição do arruamento, de escoamento em regiões
de drenagem natural, a problemática da evacuação de águas e o lançamento em
casos de regiões envolvendo grande gradiente de energia.
Enchentes: relação com a ocupação
de fundo de vales, e a sistemática de gerenciamento urbano quando na construção
de loteamentos.
Opções para os fundos de vales com
relação a vias expressas.
A construção urbana e a degradação acelerada do meio físico.
Neste caso são discutidos a
instabilidade do meio físico:
A problemática da erosão, os processos
erosivos no meio urbano e rural, fatores intríssecos que podem contribuir para
a erosão urbana.
Estabilidade dos terrenos, tais
como da condição da tensão de pré-adensamento, ocupação, dissipação de pressões
neutras.
Ocupação de encostas e áreas
sujeitas a instabilidades: rastejos, deslizamentos, corrida de lama, subsidências.
"O gestor urbano deve conhecer os problemas de sua região"
É levantada a questão de que
existe um risco potencial que pode envolver cada região, conforme os mapas de
riscos, e que o gestor urbano deve conhecer os problemas de sua região.
Materiais de construção para a construção de obras de
infraestrutura urbana.
Nesta seção são considerados os
materiais disponíveis para as construções de obras urbanas:
- O solo: aspectos tecnológicos,
tipos de solos conhecidos em obras de engenharia.
- Rochas agregados e materiais
britados.
- Materiais aglomerantes: cimento,
cal, asfalto e emulsões. Caracterização, desempenho e propriedades requeridas.
- Aditivos para solos: mecanismos de
estabilização.
- Concreto de cimento Portland
- Concreto asfáltico
- Geotextil
- Solo-reforçado
-“Vegetação”
Sistemas de infraestrutura urbana
Nesta seção são apresentados os
sistemas de infraestrutura urbana, em termos da relação como o espaço e desenho
urbano, e tecnologias. Tais como:
- Estabilidade de encostas
- Canais
- Pavimentação: elementos dos
sistemas convencionais.
- Tratamento primário do leito
viário
- Drenagem urbana
- Redes coletoras
- Sistemas para dissipação de
energia em lançamentos de águas pluviais.
A problemática da execução e o desempenho de obras no meio urbano
Nesta seção são apresentados os
serviços de execução, ou de concepção, como são recomendados e como são muitas
vezes executados, procurando-se associar ao modo sistemático possíveis
patologias:
- Pavimentação urbana: compactação,
drenagem, solicitações tipos e patologias associadas.
- Cortes aterros e escavações:
estabilidade de paredes, taludes, aterros sobre solos moles. -Tipos de cortes
indesejáveis.
- Sistemas de drenagem e
canalizações.
- Problemas de desassoreamentos,
retificação e canalização de córregos.
Gestão e execução de obras urbanas e manutenção.
Nesta seção se procura apresentar
o modo como são contratados, executados e fiscalizados os serviços de infraestrutura
urbana. Em particular, serviços de pavimentação:
orientações básicas, materiais e soluções utilizados
Temas especiais
São vistos temas como:
- Estabilização granulométrica de solos
- Estabilização granulométrica de solos
- Estabilização química de solos
O modo de se realizar o curso
Os cursos têm sido ministrados a
partir dos seguintes recursos: aula expositiva; apresentação de vídeos dentro
de alguns assuntos tais como: erosão urbana, reurbanização de favelas,
construção de infraestrutura urbana e gestão de águas; além de atividades de dinâmica
de grupos e exercícios de campo, tais como avaliação subjetiva de passeios para
pedestres de sua rua (conforme critérios requeridos), ou das disfunções urbanas
presentes na cidade; e ainda, são elaborados croquis para loteamentos segundo
diferentes propostas de desenho e tipologias urbanas, procurando-se ressaltar
as características funcionais de cada uma delas.
Os pré-requisitos do curso
A princípio foi elaborado um
conjunto pré-requisitos de modo a poder explorar o máximo do desenvolvimento
dos discentes nas atividades propostas. Os pré-requisitos eram Geologia de Engenharia,
Materiais de construção Civil, Pavimentação, Hidrologia Aplicada. Contudo,
verificou-se que poucos alunos poderiam se matricular, trazendo pouca sinergia
para o curso. Decidiu-se por eliminar o conjunto de pré-requisitos e conservar
somente Geologia de Engenharia.
A receptividade do curso
O curso contou com uma grande
receptividade. O fator que mais foi apontado no sentido positivo foi o da
integração do conhecimento.