quarta-feira, 6 de junho de 2018

UM CURSO SOBRE CONSTRUÇÃO DE OBRAS URBANAS NA FEIS-UNESP




Marco Antônio de Morais Alcantara

#EnsinoDeEngenhariaUrbana 

Um curso sobre construção de obras urbanas foi elaborado por mim e teve início como disciplina optativa na Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira a partir de 2008. Desde então algumas turmas já passaram, desde com 3 apenas até com 25 a 26 alunos. As turmas mais recentes variaram entre 11 a 16 alunos. Gostaria de compartilhar aqui um pouco sobre esta experiência.

A motivação para o curso
O propósito da criação da disciplina foi o de elaborar uma proposta de disciplina que fosse análoga à de Construção de Edifícios, ou Tecnologia da Construção civil, mas direcionada para o caso das obras de infraestrutura urbana, e da construção de empreendimentos imobiliários, além dos aspectos de intervenção no meio físico e da sociedade, de modo a se evitar os sinistros e as disfunções urbanas em fases de pós-ocupação.

O conteúdo do curso
O conteúdo do curso é subdividido em vários temas tais como:

Concepção do espaço urbano
A primeira parte do curso é direcionada para a concepção urbana, procura-se discutir a organização política e social, e como isso tudo reflete no modo de apropriação do espaço urbano; então, alguns aspectos vêm à tona, como a maneira de que tudo começou...as primeiras cidades, a infraestrutura que era presente, a quem ela servia, quem eram os elementos humanos representativos, e como se vivia dentro de uma sociedade “engessada”. A dependência dos fatores naturais para a viabilização de um núcleo urbano, a sua sustentabilidade, e como se dava a prosperidade de uma sociedade. Estado e sociedade se confundiam.

Dentro de um espaçamento no tempo, se direciona para o mercantilismo, a manufatura e a revolução industrial. Os burgos passam a ganhar importância, o comércio e o consumo. Novas maneiras de se compreender o mundo são levantadas com base na reforma protestante e nas artes, no iluminismo e no desenvolvimento científico e tecnológico, permitindo a revolução industrial, e a criação de mais valia. Uma nova reconfiguração se dá em termos políticos. As cidades se aglomeram criando um caos, de modo que deste reclamou a criação de novas concepções. O mundo da época passou a ter que pensar não somente em um edifício, mas na complexidade criada por um sistema que contempla vários edifícios, vias e espaços de circulação. Os problemas de densidade populacional e habitacional passaram a ser percebidos, assim como outros de saúde e trabalhistas. Estava se formatando os conceitos e direitos mínimos de cidadania no mundo ocidental.

Propostas de cidades jardins e cidades zoneadas passaram a ser apresentadas. O mundo mudou de um conceito de rural para o urbano. A cidade passou a ser um lugar de oportunidades de ascensão social. As funções se multiplicaram, as formações técnicas se diversificaram, o individualismo aumentou, no sentido de que cada um daria conta de si mesmo, e do seu sustento, diferentemente dos sistemas de servidão onde o patrão era como o senhor e tutor do servo. Das condições de trabalho do “homem-máquina” e da necessidade da gestão do espaço, em termos de suas apropriações vieram as propostas de Le Corbusier no congresso realizado em Atenas em 1933, a qual ficou conhecida como a Carta de Atenas. Estes princípios vieram a nortear o planejamento da cidade ocidental.

"Para cada época da civilização se interroga sobre como os eventos sociais, e tecnológicos contribuíram para a reflexão do que faltava para as novas cidades"


Não obstante os princípios funcionais propostos para o planejamento urbano, a organização urbana conta com a interferência dos seus moradores ou interventores, em resposta a uma visão da vida e do papel funcional que cada acessório urbano pode oferecer. Pode-se reconhecer dentro das estruturas urbanas aquelas que são voltadas para a privacidade de seus indivíduos, assim como para uma vida compartilhada; algumas privilegiam o contato do ser humano com a natureza, mesclando-se a cidade com o campo, enquanto que outras procuram valorizar praças, fachadas, e a vida política social, como é o caso da sociedade latina.

Um, arranjo da estrutura urbanase faz necessário compreender, no qual estão inseridos os elementos funcionais presentes, a disposição destes, a densidade populacional e habitacional, a tipologia habitacional entre outras coisas. Dentro da proposta de um loteamento, se faz necessário compreender o uso que a população fará dos equipamentos urbanos, fato que, quando não bem compreendido, se caracteriza no caso de disfunções urbanas.
   
Elementos morfológicos e dinâmicos do meio físico
Em primeiro lugar, são apresentados alguns subsídios importantes para a compreensão da parte física do curso, tais como:

- O conceito de “energia livre”. 

"A natureza não está parada e ela sempre se manifesta diante da existência de gradientes"

- Atividade físico-química e fenômenos capilaridades. Estes são responsáveis por eventos importantes no meio físico e nos materiais.

- Elementos materiais presentes no meio físico. Se distingue os minerais e as rochas, a matéria orgânica, a água, o ar e o ambiente envolvente.

De modo a se visualizar a configuração dos elementos envolventes, tem-se a caracterização geral do meio físico de interesse para o engenheiro.

A caracterização geral do meio físico é apresentada, como a conformação do terreno, e as implicações entre morfologia da área e a implantação dos sistemas de infraestrutura urbana: drenagem, concentração de águas, acessibilidade e consumo de energia, posição do lençol freático em obras e as condições de ventilação e de insolação.

Além da conformação do terreno, elementos do meio físico com função de drenagem são destacados. Apresenta-se a caracterização dos sistemas naturais, tais como vertente, curso d’água, espigão, bacias de drenagem, rede fluvial e hierarquia. Ainda, a morfologia dos sistemas de drenagem natural, como a vazão transportada, a carga de detritos, a declividade de vertente, a declividade do perfil longitudinal de um curso d’água, e a densidade de drenagem.

Tendo em vista a existência de inter-relação, o perfil do terreno e a água, o lençol freático e a sua configuração com a topografia. Ainda, as regiões do perfil e a forma da presença da água: zona aerada, franja capilar, lençol freático.

Finalmente, a presença de vegetação e o perfil do terreno, florestas, encostas, mata ciliar, gramíneas, serrapilheira. 

Fenômenos envolvendo a dinâmica do meio físico
Como dito, a natureza não está parada, e os elementos citados podem interagir entre eles.

São colocados em evidencia movimentos da água: precipitação, interceptação pela vegetação, infiltração, estocagem d’água no solo, escoamento superficial, escoamento sub-superficial, evaporação, evapotranspiração.

"O contexto pelo qual se encontra o meio físico assim como as suas contingências pode induzir a processos geomorfológicos, tais como a erosão, o transporte de sedimentos e o assoreamento"


A ação recebida pelo terreno vai depender do regime de escoamento e da condição de exposição deste, como no caso desmatamento. Muitos loteamentos vêm a se degradar por causa da ação das águas de precipitação sem o devido disciplinamento das águas pluviais. Ressalta-se no curso que o escoamento subsuperficial se diferencia do escoamento superficial, em termos de regime hidráulico e com aplicação de forças de percolação no solo, as quais induzem à erosão regressiva, conhecida como “entubamentos” ou “piping”.

São colocados em relevância os processos graduais de modificações do meio físico em função da erosão hídrica, da erosão fluvial e da erosão regressiva.

São distinguidos os casos de fundos de vales, e a influência das precipitações, sobretudo com relação à variação do teor de umidade e da distância do nível freático, com relação à borda do canal, e a influência do escoamento subsuperficial implicando em instabilidades.

São caracterizados os casos de ocorrência de voçorocas, com base na interação dinâmica do meio físico e no agravamento com as intervenções. São destacados os aspectos de erosão laminar, ravinamento e voçoroca e as implicações com relação ao estado de degradação e de condições de recuperação das áreas.

O meio físico como suporte de obras urbanas e de fornecimento de materiais
Nesta seção se estaca os tipos de ocorrência de rochas, conforme a geologia básica. É ressaltada a importância da localização geográfica para o engenheiro, em termos da disponibilidade e da qualidade dos materiais. São apresentados os afloramentos cristalinos, o regolito, o moledo e o matacão; qual é a importância do perfil do terreno quando na intervenção.

"A questão é: onde eu estou intervindo"?

É apresentado o conceito do solo como um corpo em evolução: horizontes de alteração, processos pedológicos, e a classificação. Do ponto de vista tecnológico são apresentados os solos lateríticos e solos saprolíticos; os conceitos de solos conforme a classificação MCT. É dada a visão geral de comportamento em engenharia.

Interação do meio físico com a construção urbana
De modo a se compreender as intervenções no meio físico, é dada a apresentação deste como sistemas e subsistemas. São apresentadas noções de sistemas em geomorfologia: "sistemas morfológicos", "sistemas em sequência", "sistemas de retroalimentação", e "sistemas de processos e respostas". Vêm o conceito dos mecanismos reguladores, quando então estes podem ser infringidos no processo de construção urbana.

"A construção urbana é vista como uma intervenção no sistema geomorfógico, através das ações do processo construtivo, deixando consequências no ambiente físico"  


Um outro aspecto é o da análise de disfunções urbanas em função da conformação da área e da disposição dos sistemas de infraestrutura urbana. São discutidos casos de ocupação e das condições impostas de drenagem, explorando os meios disponíveis, considerações sobre a morfologia da área e disposição do arruamento, de escoamento em regiões de drenagem natural, a problemática da evacuação de águas e o lançamento em casos de regiões envolvendo grande gradiente de energia.

Enchentes: relação com a ocupação de fundo de vales, e a sistemática de gerenciamento urbano quando na construção de loteamentos.
Opções para os fundos de vales com relação a vias expressas.

A construção urbana e a degradação acelerada do meio físico.
Neste caso são discutidos a instabilidade do meio físico:

A problemática da erosão, os processos erosivos no meio urbano e rural, fatores intríssecos que podem contribuir para a erosão urbana.

Estabilidade dos terrenos, tais como da condição da tensão de pré-adensamento, ocupação, dissipação de pressões neutras.

Ocupação de encostas e áreas sujeitas a instabilidades: rastejos, deslizamentos, corrida de lama, subsidências.

"O gestor urbano deve conhecer os problemas de sua região"


É levantada a questão de que existe um risco potencial que pode envolver cada região, conforme os mapas de riscos, e que o gestor urbano deve conhecer os problemas de sua região.

Materiais de construção para a construção de obras de infraestrutura urbana.
Nesta seção são considerados os materiais disponíveis para as construções de obras urbanas:

- O solo: aspectos tecnológicos, tipos de solos conhecidos em obras de engenharia.
- Rochas agregados e materiais britados.
- Materiais aglomerantes: cimento, cal, asfalto e emulsões. Caracterização, desempenho e propriedades requeridas.
- Aditivos para solos: mecanismos de estabilização.
- Concreto de cimento Portland
- Concreto asfáltico
- Geotextil
- Solo-reforçado
-“Vegetação”

 São destacadas as propriedades tecnológicas e como estas podem interferir no desempenho dos sistemas urbanos.

Sistemas de infraestrutura urbana
Nesta seção são apresentados os sistemas de infraestrutura urbana, em termos da relação como o espaço e desenho urbano, e tecnologias. Tais como:

- Estabilidade de encostas
- Canais
- Pavimentação: elementos dos sistemas convencionais.
- Tratamento primário do leito viário
- Drenagem urbana
- Redes coletoras
- Sistemas para dissipação de energia em lançamentos de águas pluviais.

A problemática da execução e o desempenho de obras no meio urbano
Nesta seção são apresentados os serviços de execução, ou de concepção, como são recomendados e como são muitas vezes executados, procurando-se associar ao modo sistemático possíveis patologias:

- Pavimentação urbana: compactação, drenagem, solicitações tipos e patologias associadas.
- Cortes aterros e escavações: estabilidade de paredes, taludes, aterros sobre solos moles. -Tipos de cortes indesejáveis.
- Sistemas de drenagem e canalizações.
- Problemas de desassoreamentos, retificação e canalização de córregos.

Gestão e execução de obras urbanas e manutenção.
Nesta seção se procura apresentar o modo como são contratados, executados e fiscalizados os serviços de infraestrutura urbana. Em particular, serviços de pavimentação: orientações básicas, materiais e soluções utilizados 

Temas especiais
São vistos temas como:
- Estabilização granulométrica de solos
- Estabilização química de solos

O modo de se realizar o curso
Os cursos têm sido ministrados a partir dos seguintes recursos: aula expositiva; apresentação de vídeos dentro de alguns assuntos tais como: erosão urbana, reurbanização de favelas, construção de infraestrutura urbana e gestão de águas; além de atividades de dinâmica de grupos e exercícios de campo, tais como avaliação subjetiva de passeios para pedestres de sua rua (conforme critérios requeridos), ou das disfunções urbanas presentes na cidade; e ainda, são elaborados croquis para loteamentos segundo diferentes propostas de desenho e tipologias urbanas, procurando-se ressaltar as características funcionais de cada uma delas.

Os pré-requisitos do curso
A princípio foi elaborado um conjunto pré-requisitos de modo a poder explorar o máximo do desenvolvimento dos discentes nas atividades propostas. Os pré-requisitos eram Geologia de Engenharia, Materiais de construção Civil, Pavimentação, Hidrologia Aplicada. Contudo, verificou-se que poucos alunos poderiam se matricular, trazendo pouca sinergia para o curso. Decidiu-se por eliminar o conjunto de pré-requisitos e conservar somente Geologia de Engenharia.    

A receptividade do curso
O curso contou com uma grande receptividade. O fator que mais foi apontado no sentido positivo foi o da integração do conhecimento.