terça-feira, 29 de junho de 2021

ALGUNS ASPECTOS DA ENGENHARIA VERDE

 


Marco Antônio de Morais Alcantara

Com relação à instalação urbana e a construção de infraestrutura, são remarcados fluxos de materiais e de energia. Estes fluxos são relacionados à entrada de insumos em um lado, e a saída de produtos e de possíveis resíduos do outro. Para tanto, são consideradas as procedências dos materiais, sob os pontos de vista de renovabilidade, impactos ambientais devido às extrações, e até mesmos relativos às distâncias de transporte do local da extração até o local de armazenamento e processamento. Do ponto de vista da saída, são observados os materiais como produtos, e também os possíveis resíduos que possam ser gerados. À quantificação dos materiais que entram, e saem do sistema, dá-se o nome de “inventário”.

O inventário se torna bastante útil no sentido de tomada de decisões em engenharia. A Figura 1 ilustra este fluxo conforme idealizações de Lippiati (2007) apresentados em John (2017).


Figura 1: Fluxo de materiais e energia

Ele orienta no sentido de se prevenir quanto aos impactos ambientais. Conforme autores, quando consideradas as reações químicas presentes nos processos, o número de subprodutos ou de resíduos pode ser bastante elevado, de tal modo que se possa perder a objetividade do estudo; considera-se, então os de maior relevância, sejam, os que possam causar maiores impactos ambientais, em níveis globais, regionais ou locais.

Dentre os questionamentos, do ponto de vista da apropriação e entrada de insumos, se consideram aqueles processos que venham a esgotar fontes renováveis, tais como as de argilas, e de calcáreo; e do ponto de vista do processo operacional, se considera, por exemplo, os que utilizam uma quantidade de água muito elevada por unidade de produção; e quanto às saídas, são tomados como preocupantes os processos que impliquem em grande quantidades de gases, tais como o gás carbônico, o metano, e outros que, além de fazer mal à saúde, contribuem para o aumento médio da temperatura da terra, por meio do efeito estufa.

Para a cadeia produtiva do cimento Portland, John (2019) aponta preocupações para com as emissões de gás carbônico, cujo teor implica em aproximadamente 80% das que contribuem para o efeito estufa. Para o caso deste setor, Possan et all (2017) discrimina que a produção de gás carbônico se dá mediante a descarbonetação do calcáreo, e pelas emissões durante queima por combustíveis fósseis. Os autores apresentam ainda informações de que, no ciclo de vida do material, 5% das emissões são devidas ao transporte, e, dos 95% restantes, 50% são devidas a descarbonetação do calcáreo, e 50% devidas à queima para a formação do clínquer.

De modo a se contornar estes inconvenientes, alternativas tem sido tomadas para a mitigação do problema.

A primeira medida, conforme Visedo et all (2019), é para com o uso de cimentos especiais, sejam, aglomerantes compostos, onde o clínquer é moído juntamente com adições minerais, compondo-se os cimentos com escórias, com pozolanas ou com fíler calcáreo, de tal modo que as quantidades de clínquer sejam menores para a produção de unidades de venda. Uma outra medida é a substituição dos combustíveis fósseis pelo uso de biomassa, de caráter renovável, e ainda, pelo aperfeiçoamento do processo com a melhoria da eficácia dos fornos.

Quanto à possíveis efeitos inversos, relativos às emissões de gás carbônico devido a fabricação do cimento, estudos apresentados em Posan et all (2017) têm sidos feitos, buscando informações sobre o potencial da captura do gás carbônico, mediante fixação deste pela carbonatação de constituintes alcalinos do concreto, sendo, isto dependente das condições de acesso do gás carbônico ao interior da estrutura, da exposição das substâncias ao carbono, e do tempo. Considera-se que tais mecanismos têm implicações negativas pela diminuição da alcalinidade do concreto, são bastante lentos, e ocorrem com maior velocidade após a demolição da estrutura. Pades e Guimarães (2007), citados em Posan et all (2017), consideram que, em uma perspectiva de 100 anos a captura de carbono pode se dar em 57% do carbono emitido devido a fabricação daquele concreto, quando ocorre a demolição da estrutura, e em caso de não demolição, a captação se dá em 24% do que seria sem a demolição.

Outra forma de se mitigar diante dos problemas de sustentabilidade na construção, tem sido a escolha de materiais reciclados, em especial para o uso como agregados miúdos ou agregados graúdos, a partir do aproveitamento dos resíduos de construção. Este tipo de atuação, por outro lado, tem sido questionado diante algumas contingências, tais como a energia que é requerida para a adequação granulométrica, através de britadores, assim como, do fato de que estes materiais são relativamente mais porosos do que os agregados "virgens", requerendo, então, maiores quantidades de cimento Portland, para se alcançar uma mesma classe de resistência mecânica, e absorção limitada. O custo global para tais tipo de solução não seriam obrigatoriamente mais favoráveis, quando comparados com os casos do uso de agregados virgens.

Conforme alguns estudos que têm sido realizados, de modo a conferir se estes materiais atendem aos requisitos de desempenho, e aos índices de qualidade dos agregados, para a fabricação de concretos e de argamassas, as respostas têm sido muitas vezes favoráveis, mas, de modo geral, têm sido realizadas são substituições parciais, de modo a se mitigar os efeitos desfavoráveis dos resíduos. Uma outra exigência que tem sido feita aos resíduos de construção, é que eles não contenham materiais tóxicos. Um ponto importante é que, em se aplicando tais tipos de tecnologias, poderia se administrar melhor a gestão de resíduos sólidos. Ao invés das caçambas serem direcionadas para os lixões, poderiam ser direcionadas para centrais de processamento, para a posterior fragmentação e aproveitamento. Isto vem em encontro com a resolução CONAMA no 307, de 2002.

No caso da utilização de madeiras, não se deve negligenciar a reposição da espécie e reflorestamento.

Com respeito à energia e ao seu fluxo, cabe considerar que, na sociedade os processos físicos não se dão obrigatoriamente no sentido dos processos espontâneos. Grande quantidade de energia é requisitada para a fabricação da cerâmica, do cimento, e do aço. A isso se compreende a importância da energia incorporada ao material. Inclusive, o nível de organização armazenado deve ser considerado, quando na fase final da vida útil do produto, recomendando-se pelo reuso, ou a reciclagem do material.

Quanto às fontes de energia utilizadas para a fabricação dos materiais, além de serem diversas, elas podem ser julgadas como sendo à base de energia renovável, ou não renovável, tais como, as que utilizam de combustíveis fósseis para as não renováveis, e as de usina hidroelétrica os para casos de energia renovável.

Ainda, deve-se atentar que, quando na transformação do conteúdo energético em uma forma útil, como a do calor e da eletricidade, podem ser geradas emissões, como resultantes de combustão, contribuindo para poluição atmosférica. 

Agora, algumas considerações merecem também ser feitas sobre o ciclo de vida de um produto e a posição de atuação de profissionais.

Basicamente, o ciclo de vida de um produto se resume em:



Em cada uma destas etapas existem impactos ou aspectos que podem ser importantes, e o engenheiro estará em diferentes condições de atuação.

Na fase de projeto, é onde existem os maiores graus de liberdade para o engenheiro atuar, seja na escolha dos materiais, seja na sua otimização ou mesmo em uma possível redefinição dos objetivos e alvos do projeto. Já na fase de fabricação, as principais decisões de engenharia foram já tomadas, cabendo então a reprodução da proposta.

Quando na utilização, esta é a fase do desempenho do produto, para o que ele foi projetado. Podem ser observadas as possíveis necessidades de manutenção, e de reposição de peças, as quais podem implicar em custos adicionais. Dentro da engenharia sustentável, se advoga pelo atendimento aos desempenhos dos materiais, com base também na durabilidade.

Finalmente, quando se considera a desativação de um produto, do ponto de vista econômico, se deve considerar a amortização do investimento, assim como, observar o ponto de vista ambiental, considerando o aproveitamento de insumos, relativos aos materiais e energia que foram incorporadas ao produto. Nesse sentido, como foi dito, deve-se favorecer a reutilização ou a reciclagem do material.

Cabem ser citados ainda alguns princípios da engenharia verde. Dentre eles, tem-se que, é muito melhor evitar a presença de um insumo, que não contribua positivamente, do que administrá-lo. A emissão de gases poluentes ou tóxicos requerem filtros, mas o melhor seria que os determinados gases fossem evitados.

A fabricação do solo-cimento, ou de solo-cal, por exemplo, dispensa a queima. São casos de materiais cerâmicos sem queima. A mitigação passaria pelo que se relaciona ao cimento ou a cal, como a fabricação, os insumos, o modo operacional.

Um outro princípio é que, os resíduos de um processamento possam ser utilizados como insumo em outros processamentos. O mesmo pode ser aplicado para os casos de solo-cimento e solo-cal. Alguns resíduos, como as cinzas de casca de arroz, ou de bagaço de cana, utilizadas como biomassa para a produção de energia, podem conter atividade pozolânica, contribuindo para o melhor desempenho de produtos, e ainda da, possibilidade de um menor consumo de aglomerante para se alcançar o mesmo desempenho.


Bibliografia


CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (CONAMA) Resolução no 307, de 05 de julho de 2002: Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. Diário Oficial da União, Brasília, 2002

JOHN, V.M. Materiais de construção e o meio ambiente. São Paulo, 2017, Materiais de construção civil e princípios de ciência dos materiais, IBRACON/GERALDO ISAIA, vol 1, pp. 114-153

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LIPPIATI, B.C 4:0 Building for environmental and economic sustainability. Tecnichal manual and user guide. Gaithersbury, 2007, 209p.

MIHELCIC, J.R; ZIMMERMAM, J.B. Engenharia Ambiental, fundamentos, Sustentabilidade e Projeto. Rio de Janeiro, 2012, LTC, 617p.

POSSAN. E; FELIX.E.F; THOMAZ.W.A Metodologia para a estimativa da captura de CO2 devido à carbonatação do concreto. Rio de janeiro, 2017, Estudos Ambientais, vol4, INTERCIÊNCIA, pp.21-47

PADE.C; GUIMARÃES M. The CO2 uptake of concrete in a 100 years perpective. Cement and concrete research, p.1384-1356, 2007

VESLIND, P. A; MORGAN, S.M. Introdução à Engenharia Ambiental, São Paulo, 2011, CENGAGE learning, 438p.

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