segunda-feira, 4 de julho de 2016

ASPECTOS SOCIAIS E DE VALORES INTRÍSECOS AOS USUÁRIOS QUE PODEM REFLETIR NO DESENHO URBANO


Marco Antônio de Morais Alcantara

#DesenhoUrbano  #UsuárioHábitos

Segundo Lacaze (1995), o modo de vida urbano difere do modo de vida rural notadamente pelos aspectos de controle individual, de gestão, e de anonimato. Considera o autor que em sociedades estáveis, sem anonimato e pouco evolutivas, permanece uma estrutura rígida, verticalizada, promovida por pessoas dignas de estabelecer a ordem de pensamento, tais como o padre, o fidalgo, ou ainda outro. Já no caso de meio urbano, existe liberdade individual, flexibilidade, e a ruptura com relação ao estabelecimento de uma ordem sacralizada de pensamento. Em lugar disso, existe um aprendizado de costumes sociais e de regras, coerente com o anonimato.

Pelo que se depara com estas informações, o planejador deve estar atento para o usuário da cidade. Uma proposta de traçado urbano está associada não só ao seu estilo de vida, mas aos fatores que apelam para o instintos programados em função de uma história vivida social e culturalmente, na apropriação de espaços para si, e até mesmo no que diz respeito à sobrevivência.

Quando se fala em pós-ocupação, a adequabilidade se torna uma palavra-chave relevante; neste sentido, pode levantar questões como:

As relações sociais


Como foi visto, a vida urbana difere da vida do campo pelas relações humanas que podem ser travadas no ambiente vivido, de modo a se justificar a criação de espaços especiais para a sociabilidade, como as praças e parques, ou em áreas comuns de um condomínio.  Neste sentido, a sociabilidade pode exercer um papel relevante, e, fatores culturais e sociais podem interferir, de modo que estas relações tenham êxito ou não, fomentando o interesse do usuário.

Aspectos como, as diferenças sociais e culturais, as diferentes visões da vida, a indisposição para a busca de empatia, ou mesmo os receios do outrem, são exemplos de fatores, os quais podem inviabilizar o uso de alguma infraestrutura construída, tendo em vista o uso compartilhado, mantendo-as sub utilizadas. Inclusive, em se reproduzindo os costumes rurais no meio urbano, os habitantes tenderão a viver em universos preferencialmente fechados.


A vida privada


Concomitantemente com o modo de vida social, o modo de vida essencialmente privado vem de encontro aos dias atuais, para atender a apelos como segurança, preservar o conforto individual, evitar a visibilidade excessiva, e também atender aos apelos de uma vida individualizada. Neste sentido, pode haver pesos tanto para os espaços compartilhados, que poderão ser apropriados ou sub utilizados, em favorecimento de um espaço individual maior e hermético. Este fator pode interferir também na tipologia habitacional, visto que o usuário terá tolerância menor aos apelos externos.

Relações de demanda


Embora exista uma tendência a se generalizar muitas coisas, uma família europeia normalmente possui menos membros do que uma família brasileira, latina ou africana. Outro fator atuante neste sentido, também são os hábitos de emancipação dos filhos, ou de dependência dos pais ou avós.

Em alguns países os filhos se emancipam muito jovens, passando a conviver em alojamentos ou apartamentos individuais, enquanto que em outros, os filhos permanecem em casa até alcançar o primeiro emprego, depois da universidade. Um fenômeno novo no Brasil tem sido os pais abrigarem os filhos e netos, em face da incapacidade destes de se emanciparem. Ainda, quanto aos idosos, muitos deles não são cobertos por um sistema previdenciário que garanta a sua subsistência, levando-os à dependência dos filhos para terem um teto.

Por estas razões, as habitações brasileiras, muitas vezes requerem áreas construídas maiores. Considerando que muitas das famílias não são de renda elevada, estas vêm a super utilizar os terrenos, de modo que o índice de ocupação dos lotes seja normalmente superior a até 0,8.

A grande família brasileira tende a formar um clã, em torno do patriarca, ressaltando para esta família o caráter de privacidade.


Consciência social e bem comum


Uma estrutura compartilhada pertence a todos os indivíduos que dela se beneficiam, havendo os benefícios potenciais, e as obrigações implícitas dos usuários.

Dentro de um padrão individual, o indivíduo pode optar por fazer um jardim ou cimentar uma mesma área (independentemente das obrigações do código de obras, e do plano diretor), porém, dentro de um condomínio haverá certamente uma quotização dos custos de manutenção dos jardins, da manutenção da iluminação, segurança, e outros serviços. No caso de uma praça, o poder público poderá gerir estes serviços. Aos olhos do utilizador urbano, ele pode julgar preferível morar em uma habitação individualizada em um terreno, sendo que a prefeitura realize todos os benefícios do entorno, do que custear a manutenção dos serviços de um condomínio.


Relação de deslocamento


O usuário pode sofrer a influência do ambiente construído em termos da legibilidade deste, a qual pode ser definida pela disposição e pela orientação das edificações, assim como, da proposta estabelecida para o sistema viário. O reticulado xadrez, apesar de monótono, pode criar diferenciações pelas construções que são presentes, arborização, ou outros fatores, e aparentemente pode proporcionar fluidez ao tráfego, visto que as vias, infraestrutura, são são muitas vezes superdimensionadas para as demandas locais.

O sistema viário racionalizado implica em ruas de uso local, arterial e coletoras, e a existência de vias que são bloqueadas nas extremidades, apresentando retornos; estas possuem baixa capacidade viária, ou ainda também com imposição de velocidade limitada. Desta maneira o sistema implica em menor flexibilidade para o deslocamento. Neste sentido, estes aspectos influenciam na adequação ou não com os seus hábitos.

As mudanças no campo da mobilidade têm se modificado nos últimos anos, de modo que o transporte individual motorizado aumentou percentualmente, sobrecarregando as vias urbanas, e, face aos anseios de competitividade e de velocidade, as propostas racionalizadas, com hierarquização viária, podem vir como um impacto ao usuário.


Visão ecológica ou não


A consciência sobre o desenvolvimento sustentado é recente, e poderia corroborar os modelos urbanos propostos no período pós-revolução industrial, visto que estes propõem racionalização das vias, e dos sistemas que promovem a mobilidade urbana, onde, muitos deles privilegiam o uso de veículos que consomem menor consumo de combustíveis, ou não utilizam além do esforço humano; além disso, estes modelos evocam paisagismo e edificações, que racionalizam o espaço em benefício da infiltração da água no solo, por exemplo.

Este fator poderá trazer benefício em função da cultura ecológica de uma sociedade, assim como do individualismo presente.

Modo de vida urbano e os sistemas de gestão


O meio urbano está sujeito às regras sociais, as quais procuram garantir isonomia em termos de benefícios, e do comprometimento de cada cidadão. A normalização não pode partir de maneira verticalizada, mas dos estatutos, os quais a sociedade deve criar e gerir. Estes estatutos podem gerir o padrão das construções, o destino de efluentes, e, sobretudo, as regras de transito. Neste sentido, cabe ao indivíduo a afinidade com este tipo de exercício, o de se enquadrar nos regulamentos, e quanto ao órgão gestor, de ser claro e eficiente. 

LACAZE, J.P.  A cidade e o urbanismo.  Lisboa, Piaget, 1995, 141p.


sobre o autor:
*Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.