Marco Antônio de Morais Alcantara
#DesenhoUrbano #UsuárioHábitos
Segundo Lacaze (1995), o modo de
vida urbano difere do modo de vida rural notadamente pelos aspectos de controle
individual, de gestão, e de anonimato. Considera o autor que
em sociedades estáveis, sem anonimato e pouco evolutivas, permanece uma estrutura
rígida, verticalizada, promovida por pessoas dignas de estabelecer a ordem de
pensamento, tais como o padre, o fidalgo, ou ainda outro. Já no caso de meio urbano, existe liberdade individual, flexibilidade, e a ruptura com relação ao estabelecimento de uma ordem sacralizada de pensamento. Em lugar disso, existe um aprendizado de
costumes sociais e de regras, coerente com o anonimato.
Pelo que se depara com estas
informações, o planejador deve estar atento para o usuário da cidade. Uma
proposta de traçado urbano está associada não só ao seu estilo de vida, mas aos fatores que apelam para o instintos programados em função de uma história vivida
social e culturalmente, na apropriação de espaços para si, e até mesmo no que
diz respeito à sobrevivência.
Quando se fala em pós-ocupação, a
adequabilidade se torna uma palavra-chave relevante; neste sentido, pode
levantar questões como:
As relações sociais
Como foi visto, a vida urbana
difere da vida do campo pelas relações humanas que podem ser travadas no
ambiente vivido, de modo a se justificar a criação de espaços especiais para a
sociabilidade, como as praças e parques, ou em áreas comuns de um
condomínio. Neste sentido, a
sociabilidade pode exercer um papel relevante, e, fatores culturais e sociais
podem interferir, de modo que estas relações tenham êxito ou não, fomentando o
interesse do usuário.
Aspectos como, as diferenças sociais
e culturais, as diferentes visões da vida, a indisposição para a busca de empatia,
ou mesmo os receios do outrem, são exemplos de fatores, os quais podem
inviabilizar o uso de alguma infraestrutura construída, tendo em vista o uso compartilhado,
mantendo-as sub utilizadas. Inclusive, em se reproduzindo os costumes rurais no
meio urbano, os habitantes tenderão a viver em universos preferencialmente
fechados.
A
vida privada
Concomitantemente com o modo de vida social, o modo de vida essencialmente
privado vem de encontro aos dias atuais, para atender a apelos como segurança,
preservar o conforto individual, evitar a visibilidade excessiva, e também
atender aos apelos de uma vida individualizada. Neste sentido, pode haver pesos tanto para os espaços
compartilhados, que poderão ser apropriados ou sub utilizados, em favorecimento de um espaço
individual maior e hermético. Este fator pode interferir também na tipologia
habitacional, visto que o usuário terá tolerância menor aos apelos externos.
Relações de demanda
Embora exista uma tendência a se
generalizar muitas coisas, uma família europeia normalmente possui menos
membros do que uma família brasileira, latina ou africana. Outro fator atuante neste sentido, também
são os hábitos de emancipação dos filhos, ou de dependência dos pais ou avós.
Em alguns países os filhos se
emancipam muito jovens, passando a conviver em alojamentos ou apartamentos
individuais, enquanto que em outros, os filhos permanecem em casa até alcançar o
primeiro emprego, depois da universidade. Um fenômeno novo no Brasil tem sido
os pais abrigarem os filhos e netos, em face da incapacidade destes de se
emanciparem. Ainda, quanto aos idosos, muitos deles não são cobertos por um sistema
previdenciário que garanta a sua subsistência, levando-os à dependência dos
filhos para terem um teto.
Por estas razões, as habitações
brasileiras, muitas vezes requerem áreas construídas maiores. Considerando que
muitas das famílias não são de renda elevada, estas vêm a super utilizar os
terrenos, de modo que o índice de ocupação dos lotes seja normalmente superior a até 0,8.
A grande família brasileira tende
a formar um clã, em torno do patriarca, ressaltando para esta família o caráter de privacidade.
Consciência
social e bem comum
Uma estrutura compartilhada
pertence a todos os indivíduos que dela se beneficiam, havendo os benefícios
potenciais, e as obrigações implícitas dos usuários.
Dentro de um padrão individual, o
indivíduo pode optar por fazer um jardim ou cimentar uma mesma área
(independentemente das obrigações do código de obras, e do plano diretor),
porém, dentro de um condomínio haverá certamente uma quotização dos custos de
manutenção dos jardins, da manutenção da iluminação, segurança, e outros
serviços. No caso de uma praça, o poder público poderá gerir estes serviços.
Aos olhos do utilizador urbano, ele pode julgar preferível morar em uma
habitação individualizada em um terreno, sendo que a prefeitura realize todos os
benefícios do entorno, do que custear a manutenção dos serviços de um
condomínio.
Relação
de deslocamento
O usuário pode sofrer a
influência do ambiente construído em termos da legibilidade deste, a qual pode
ser definida pela disposição e pela orientação das edificações, assim como, da proposta
estabelecida para o sistema viário. O reticulado xadrez, apesar de monótono,
pode criar diferenciações pelas construções que são presentes, arborização, ou
outros fatores, e aparentemente pode proporcionar fluidez ao tráfego, visto que as
vias, infraestrutura, são são muitas vezes superdimensionadas para as demandas locais.
O sistema viário racionalizado
implica em ruas de uso local, arterial e coletoras, e a existência de vias que são bloqueadas nas extremidades, apresentando retornos; estas possuem baixa capacidade viária, ou ainda também com imposição de velocidade
limitada. Desta maneira o sistema implica em menor
flexibilidade para o deslocamento. Neste sentido, estes aspectos influenciam na
adequação ou não com os seus hábitos.
As mudanças no campo da mobilidade
têm se modificado nos últimos anos, de modo que o transporte individual motorizado
aumentou percentualmente, sobrecarregando as vias urbanas, e, face aos anseios
de competitividade e de velocidade, as propostas
racionalizadas, com hierarquização viária, podem vir como um impacto ao usuário.
Visão ecológica ou não
A consciência sobre o
desenvolvimento sustentado é recente, e poderia corroborar os modelos urbanos
propostos no período pós-revolução industrial, visto que estes propõem
racionalização das vias, e dos sistemas que promovem a mobilidade urbana, onde, muitos deles privilegiam o uso de veículos que consomem menor consumo de
combustíveis, ou não utilizam além do esforço humano; além disso, estes
modelos evocam paisagismo e edificações, que racionalizam o espaço em benefício
da infiltração da água no solo, por exemplo.
Este fator poderá trazer
benefício em função da cultura ecológica de uma sociedade, assim como do
individualismo presente.
Modo de vida urbano e os sistemas de gestão
O meio urbano está sujeito às regras sociais, as quais procuram garantir isonomia em termos de benefícios, e do
comprometimento de cada cidadão. A normalização não pode partir de maneira
verticalizada, mas dos estatutos, os quais a sociedade deve criar e gerir. Estes
estatutos podem gerir o padrão das construções, o destino de efluentes, e, sobretudo, as regras de transito. Neste sentido, cabe ao indivíduo a afinidade
com este tipo de exercício, o de se enquadrar nos regulamentos, e quanto ao órgão
gestor, de ser claro e eficiente.
LACAZE, J.P. A cidade e o urbanismo. Lisboa, Piaget, 1995, 141p.
sobre o autor:
*Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004); e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.
LACAZE, J.P. A cidade e o urbanismo. Lisboa, Piaget, 1995, 141p.
sobre o autor:
*Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004); e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.