terça-feira, 8 de setembro de 2015

BREVE HISTÓRIA DO PENSAMENTO URBANO


Marco Antônio de Morais Alcantara

#PensamentoUrbano #EvoluçãoUrbana


Esta postagem tem por finalidade falar sobre como o conceito de cidades evoluiu, sobretudo com base em alguns dos fatores considerados como importantes, tais como:

- A organização social e política;
- as relações de produção e de mais valia;
- as condições de sustentabilidade do ponto de vista de crescimento e de custeio urbano;
- as condições funcionais de uma cidade e;
- o pensamento ecológico e de bem estar.

Serão tomados alguns exemplos de sociedades e de comunidades urbanas, dentro de uma ordem cronológica bastante ampla. Serão destacados alguns fatores que podem influenciar na formatação urbana, de uma maneira simplista, como se estes fatores tivessem uma relação com a ordem cronológica, fato que talvez não pode ser uma regra para todas as coisas. 


A cidade antiga


Como cidade antiga, dentro dos propósitos deste texto, pode-se englobar a cidade inserida em uma larga extensão no tempo, e de modo a se compreender alguns tópicos de interesse.

O contexto e as características da cidade antiga


De modo geral, as cidades antigas inseridas neste texto possuem em comum as seguintes características:
- Cidade, reino e estado se confundem;
- povo e cultura são bem precisos;
- a cidade tem uma vocação particular, como para o comércio, cultura, política, e outras.

Infraestrutura urbana e construções urbanas presentes na cidade antiga


Fazendo uma abstração, imaginando uma cidade antiga, pode-se nela encontrar os seguintes tipos de construções:

- Espaços culturais e de cultos;
- jardins e palácios;
- habitações de nobres ou de pessoas ilustres;
- aglomerado de habitações populares;
- vias urbanas estreitas;
- aquedutos e obras hidráulicas;
- muros de proteção.

Organização social e elementos sociais ativos na cidade antiga


Na cidade antiga nota-se a presença de nobres, plebeus, escravos, sacerdotes e governantes. Dificilmente poderia ocorrer algum tipo de mobilidade social, de modo que, quem nascia plebeu haveria de permanecer nesta condição por toda a sua vida, assim como, os seus descendentes. A maior parte do trabalho era realizada por mão de obra escrava. HUNT & SHERMAN (1990) apontam que 80% de todo o trabalho social era realizado por mão de obra escrava, tanto na atividade de subsistência como que em trabalhos artísticos e burocráticos. Os autores consideram que, segundo a ideologia presente o trabalho escravo era justificado, e tido como eterno, tanto por filósofos como Aristóteles e Platão. Os autores consideram ainda que, o trabalho escravo trouxe um demérito para com o trabalho e o espírito inventivo, limitando então o progresso tecnológico e promovendo a estagnação da economia. Isto tornou o reino de Roma vulnerável ao ataque dos bárbaros.

Desenvolvimento humano investido na cidade antiga


Havia a ausência de um plano estratégico para o desenvolvimento humano das populações menos nobres, enquanto que os nobres eram instruídos por sábios. O sistema produtivo era voltado para a subsistência do povo e para o conforto dos nobres e dos sacerdotes.

Desenvolvimento auto-sustentado na cidade antiga


Havia a dependência de fatores naturais para a instalação de uma povoado, e de vulnerabilidade à estes fatores, assim como de eventos catastróficos da natureza. A justificativa de um núcleo estava em função das condições naturais de implantação. Por exemplo, CAU (1987) considera as condições particulares de fertilidade proporcionadas pelo ajuste do curso do rio Garonne, Como causa para o estabelecimento do núcleo e civilização primitivos de Toulouse-Fr.

O crescimento da riqueza local se dava às custas da espoliação de outro núcleo urbano. A cidade antiga coincidia com o próprio reino. A ‘cidade-reino’ poderia conquistar e espoliar outra, ou ser incorporada para servir. 

Funções urbanas criadas na cidade antiga


Os espaços urbanos eram atribuídos em função da natureza da ocupação, mas de modo de excluir nobres e plebeus. A infraestrutura urbana criada era basicamente para suprir as casas dos nobres, e para permitir a acessibilidade destes. Os muros tinham a função de proteção. 


Cidade de Toulouse antiga e os muros de proteção
Fonte: CAU (1987)

Prestação de serviços públicos na cidade antiga


Havia antes o imposto que um plano social de distribuição de recursos. Os nobres e senhores tinham como função cuidar do bem estar de seus serviçais.

Demanda pelo solo urbano na cidade antiga


O uso do solo urbano era arbitrado pelo poder dominante.

Resumo das cidades antigas


- Tinham a sua existência e justificativa na existência e estabilidade de um povo;
- tinham uma estrutura social engessada;
- tinham maior vulnerabilidade aos fatores naturais;
- tinham comportamento estático do ponto de vista da presença de elementos ativos e da evolução urbana.

A cidade da revolução industrial


As cidade da revolução industrial consideradas neste texto são àquelas inseridas no tempo durante o período do mercantilismo e da revolução industrial, e que tiveram a sua existência ou expansão em decorrência do reflexo da atividade comercial, artesanal e industrial .  

O contexto e as características das cidades da revolução industrial


Estas tiveram ocorrências pontuais em decorrência das atividades da manufatura e do comércio, quando no pós-desmantelamento do sistema feudal, e os estados nacionais estavam em fase de formação.

Os povos e estados estão em fase de uma nova reconfiguração, e formação de identidade.

As cidades são voltadas para a produção e ao acúmulo  de riquezas, privilegiando classes diferentes.


Infraestrutura urbana e construções urbanas presentes nas cidades da revolução industrial


Havia a ênfase na presença de fabricas e na precariedade de habitações. Não havia uma disposição racional para esta configuração.



A cidade da revolução industrial
Fonte: MAUSBACH (1981)

Organização social e elementos sociais ativos cidade da revolução industrial


Se antes havia a supremacia da nobreza e do clero, sobre os plebeus, nesta fase toma destaque a figura do burguês, que estava fora dos estamentos sociais, este têm ascensão dentro da nova ordem econômica e produtiva, e política.

O trabalho remunerado passa à existir como nova opção de sobrevivência.

Os regimes de servidão e escravatura são substituídos pelo trabalho remunerado, que passa à exigir legislação.

Desenvolvimento humano investido nas cidades da revolução industrial


Começaram a surgir pressões para os programas de alfabetização, reivindicados pela reforma protestante. A competência para trabalhos práticos passa a ser requisitada, exigindo-se programas de formação técnica. O indivíduo passa a ser reconhecido pelo ofício que ele desempenhava dentro desta nova conjuntura produtiva, e não pelo vínculo que ele tinha para quem ele servia. O conhecimento científico, a investigação, e a filosofia passaram a ganhar liberdade, assim como as artes, passaram a ser incentivadas dentro das famílias tradicionais.

 
O desenvolvimento da ciência e da filosofia  Fonte: PAYER e CHAPERON (1991)

O desenvolvimento das artes nas famílias burguesas 
Fonte: PAYER e CHAPERON (1991)


O conhecimento acadêmico que antes era restrito aos nobres e aos sacerdotes passaram então a ser de acesso a cidadãos então "comuns", para a época, havendo, da parte das famílias burguesas um grande interesse pela aquisição da cultura e ao acesso ás artes.

Desenvolvimento auto-sustentado cidade da revolução industrial


Nesta fase surge a noção de mais valia (lucro). Paralelamente, passou-se pela revolução agrária, mas passou-se a ter maior domínio sobre os fatores da natureza. No lugar do despojo, toma-se lugar o acúmulo do produto acumulado da mais valia, o qual passou a ser incorporado por algumas famílias que prosperavam e que faziam investimentos em construções, ferrovias, e fábricas. A cidade passou a ser justificada pela existência de uma economia.

Funções urbanas criadas cidade da revolução industrial


Nesta fase havia ainda pouco desenvolvimento em termos das funções urbanas. Os arquitetos da época eram capacitados preferencialmente para atuar sobre a edificação e fachadas, mas era novo para a época o sistema criado por um aglomerado de edificações, dentro da então conjuntura, assim como a necessidade de solução para problemas de planejamento de vias e redes, necessárias para a funcionalidade urbana. Havia a convivência de uma cidade industrial e dormitório ao mesmo tempo. As densidades habitacionais eram bastante elevadas. Havia carência de sistemas de saneamento.
 

Paisagem urbana de uma cidade da revolução industrial a nível de rua 
Fonte: DUÈ (1998)

Prestação de serviços cidade da revolução industrial


Os sistemas de saneamento são precários. Os serviços de saúde pública têm a sua concepção em razão dos riscos de epidemia em super-populações. Se antes, uma epidemia no campo afetaria possivelmente uma população local, distante do palácio, agora, uma epidemia de gripe poderia ter como impacto não só os serviçais, mas também os chefes e supervisores de produção, e afetaria o ganho do capital. Surgem os serviços de saúde pública ( CLARCK,1988). 

Demanda pelo solo urbano cidade da revolução industrial


O espaço urbano era marcado por grandes concentrações de habitações e de população. Grandes migrações do campo para a cidade existiam na época, cujos habitantes, que venderiam a sua mão de obra, deveriam morar em condições precárias como já citado. 

Resumo das cidades mercantilistas e industriais


- A força e o poder estão na dependência do acúmulo da mais valia e na capacidade de investimento de seus patrocinadores;
- o engessamento social é rompido e os extratos sociais são ativos;
- a cidade surge como um centro de oportunidades, e ascensão social;
- a cidade adquire comportamento consumista.


A cidade pós revolução industrial


O contexto e as características da cidade pós-industrial

No caso a industrialização já é um fato. As sociedades se voltam para o sistema produtivo para alimentar macro economias, assim como o indivíduo passa a ter um papel importante na funcionalidade do sistema.

Infraestrutura urbana e construções urbanas presentes na cidade pós-industrial


No caso das cidades pós-revolução industrial pode-se distinguir claramente:

-Habitações;
- instalações industriais;
- áreas comerciais;
- obras de saneamento;
- vias urbanas com diferentes hierarquias e classificações;
- praças e espaços públicos de convivência.

Organização social e elementos sociais ativos da cidade pós-industrial


A divisão social do trabalho já está bem definida nesta altura. Não se deve existir ‘castas’.
O desenvolvimento humano é investido de modo a poder qualificar profissionais específicos;
o indivíduo é instruído e qualificado para o trabalho por universidades ou escolas técnicas.

Desenvolvimento auto-sustentado na cidade pós-industrial


A cidade é sustentada pela riqueza gerada nela mesma, e está sujeita também à uma economia planificada. A riqueza gerada na cidade não é obrigatoriamente originada da indústria ou da agricultura, podendo ser advinda também do comércio ou da prestação de serviços.  Os serviços prestados são tarifados, não havendo mais favores.

Funções urbanas criadas na cidade pós-industrial


As funções urbanas passam a ser mais requisitadas. Neste sentido surgem algumas reivindicações e propostas urbanas:

- A divisão de cidades em zonas específicas como de trabalho, lazer, residencial, e industrial.

- As zonas residenciais deveriam ser envolvidas por áreas verdes.

- A densidade urbana deveria ser diminuída, com a construção de superfícies livres e com a utilização de edifícios de múltiplos andares.

- Conciliação entre as vias para automóveis e as vias de ciclistas e pedestres.

- Solução para os problemas de vias e de estacionamento.

- Criação de zonas residenciais como espaços fechados aos seus usuários.



Modelo de cidade conforme Le Corbusier. Fonte: LE CORBUSIER (1971)  

Prestação de serviços na cidade pós-industrial


Na cidade pós-industrial o usuário deve ter acesso aos serviços públicos, como o do ensino, creches, abastecimento, saneamento, eletricidade, coleta de lixo e outros. Estes são tarifados.

Demanda pelo solo urbano na cidade pós-industrial


O solo urbano passa a ser mais competitivo na economia pós-industrial, em função dos diversos interesses.

Resumo das cidades pós-industriais


- As economias urbanas são menos independentes;
- as funções urbanas são perfeitamente definidas;
- o usuário é mais exigente com a qualidade de vida;
- o usuário é mais dependente dos serviços urbanos;
- o usuário é mais ecológico.

O atual momento

Tendo visto uma cronologia dos eventos que influenciaram a concepção das cidades, uma questão pode ser levantada para os dias atuais: o que estaria hoje contribuindo para o pensamento urbano dos nossos dias?

Talvez podemos levantar algumas questões como:

-A mobilidade urbana, em termos de atendimento à grandes distâncias e também quanto ao caráter da energia requerida;
-as densidades habitacionais quando se considera a verticalização;
-o gerenciamento dos resíduos, fato que desde o início da revolução industrial vem se tornando complexo, tanto pelo aumento do consumo como pela diversificação de produtos e dos corpos receptores;
-a exclusão urbana, em decorrência dos déficits habitacionais, da necessidade de mobilidade por parte dos deficientes físicos, da acessibilidade, e do custo de vida urbano;
-o gerenciamento dos serviços urbanos e a concepção da atual estatal e privada.

Como se vê, a história ainda não acabou.



Bibliografia

CAU Christian Petite histoire de Toulouse. Toulouse, 1987, Loubatieres, 79 pg.
CLARCK David. Introdução à Geografia Urbana. São Paulo, 1985, Difel, 286 pg.
DUÈ Andréa La vie des hommes à travers les révolutions industrielles. Paris, Delagrave, 1998, 45 pg.
HUNT E.K; SHERMAN. H.J. Economics: An introduction to traditional and radical views. New York, 1990, Harper and Row, Publishers, Inc.
LE CORBUSIER. Planejamento Urbano. São Paulo, 1971, Perspectiva, 203p.
MAUSBACH Hans. Urbanismo contemporâneo. Lisboa, Presença, 1981.
PAYER, J, M; CHAPÉRON, S. Le siècle des lumières. Casternan, Paris, 1991. 69p. 


Sobre o autor:

*Marco Antônio de Morais Alcantara é Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de São Carlos-BR, com ênfase em Engenharia Urbana (1986); Mestre em Engenharia Civil, área de concentração em Geotecnia, pela Universidade Federal de Viçosa-BR (1995); Master Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2001); Docteur Génie Civil, Matériaux et Structures, pelo Institut National des Sciences Appliquées de Toulouse-FR (2004);  e tem pós-doutorado em Estruturas pela Universidade do Porto-PT (2012). É docente da FEIS/UNESP desde 1987.