quinta-feira, 14 de setembro de 2017

REFLEXOS DO SISTEMA PRODUTIVO NA MORFOLOGIA E NA TRANSFORMAÇÃO FUNCIONAL E SOCIAL DE UMA CIDADE PLANEJADA

Fonte: Acervo do D.E.E UNESP

Marco Antônio de Morais Alcantara

#ConstruçãoDeIlhaSolteira #CidadesPlanejadas


INTRODUÇÃO

O desenho urbano tem grande relação sobre como uma determinada sociedade se organiza. 

Um outro aspecto, também muito discutido dentro dos cursos de urbanismo, é a apropriação do espaço urbano pelos seus usuários. 

Ilha Solteira é um caso muito particular de cidade, pois, onde, tanto a configuração social, como a do espaço, foram de antemão impostos. Foram manipulados o desenho urbano e a tipologia habitacional. O município pode ser um objeto de estudo para a compreensão sobre os casos de pós-ocupação em cidades projetadas, sob os seguintes pontos de vista: (i) da aceitação de uma proposta urbana, (ii) da incorporação dos hábitos de seus usuários à estrutura proposta, (III) e das ações, na fase de pós-ocupação, para ajustar a proposta aos interesses de seus moradores. 


Para melhor compreensão, um breve histórico do pensamento urbano é apresentado.
 
No caso das cidades antigas, como nos casos de Roma e Grécia, pode-se observar que a infraestrutura e as construções urbanas eram reconhecidas em geral pelos espaços culturais e de cultos, pelos jardins e palácios, pelas habitações dos nobres, e pelas vias urbanas, além de algumas obras hidráulicas. Havia também os muros de proteção da cidade. Como elementos sociais, eram destacadas a presença dos nobres, dos plebeus, dos escravos, dos sacerdotes e dos governantes. Havia restrições de acesso à maior parte da população a alguns privilégios, e o tipo de sociedade era marcado por imobilidade social. Como resultado da estratificação social, as funções urbanas criavam espaços que eram atribuídos conforme a natureza da ocupação dos habitantes, mas, de modo a separar nobres e plebeus. A população excluída de privilégios morava em glebas adjacentes aos muros da cidade. A prestação de serviços se dava segundo a benevolência dos reis e dos nobres. Do ponto de vista da demanda pelo solo urbano, este era arbitrado pelo poder dominante.

Com o decorrer da história, as atividades artesanais e mercantis passaram a ser valorizadas, e as cidades, ou burgos, vieram a ganhar prestígio frente ao campo. Nesta época ocorreram também grandes transformações na organização social e política da Europa. Tomou-se destaque a figura do burguês, que teve ascensão dentro da nova ordem econômica e produtiva. Segundo Pierre (1996), a cidade mercantilista guardava ainda traços da idade média, como a presença de mosteiros, palácios e universidades.

As cidades da revolução industrial eram voltadas para a produção. Dentro de um estágio amadurecido do mercantilismo, o acúmulo da mais valia passou a ser incorporado por algumas famílias que prosperaram, e que realizaram investimentos em construções, ferrovias, fábricas e em outros investimentos. A alta burguesia promovia o modo de vida da cidade, implementava melhorias, e o conforto para si mesma. Havia também a média burguesia e o proletariado. O trabalho remunerado substituiu os regimes de servidão e de escravatura. As funções urbanas eram ainda pouco desenvolvidas, e, segundo Mausbach (1981), a ênfase dos arquitetos era efetivamente aplicada para o tratamento das fachadas, em lugar da organização urbana. A visão da cidade era dada pela presença de fabricas, e na precariedade de habitações. Segundo descrições de Payer e Chapéron (1991), o proletariado vivia em extremas condições de desconforto, alta densidade populacional, e de péssimas condições sanitárias. Havia a convivência de uma cidade industrial e dormitório ao mesmo tempo. A prestação dos serviços públicos, como os serviços de saúde pública, tiveram nesta época a sua concepção, em razão dos riscos de epidemia em superpopulações (CLARCK, 1985). A demanda pelo solo urbano passou a existir em razão de um espaço marcado por grandes concentrações de habitações, e de população.

Contudo, na cidade mercantilista e industrial, o engessamento social passou a sofrer rupturas, com a criação novas políticas e de organização social. Os benefícios passaram a ser reivindicados pelas populações mais desfavorecidas pelo direito, os extratos sociais se tornaram mais ativos, e a cidade surgiu como um centro de oportunidades, e de ascensão social. A cidade começou a adquirir nesta fase o comportamento consumista. Ainda, na cidade revolução industrial, a divisão social passa a ser estabelecida pelo sistema de produção, e a qualidade de vida criada passou a ser mais requisitada. Na preocupação de conciliar a vida em cidade com a vida do campo, Howard, na Inglaterra propôs, em 1898, o desenho de cidades jardins, a partir das quais, cada núcleo deveria abrigar 32 000 habitantes, que trabalhariam próximo ás suas residências.

Dentre as propostas de urbanização no século XX, o documento intitulado por ‘Carta de Atenas’, editado em 1933, é o mais conhecido. Este teve a participação e a condução do arquiteto Le Courbusier, e, em linhas gerais, conforme Le Courbusier (1971), ele reivindicava: a divisão de cidades em zonas específicas, como as de trabalho, de lazer, residencial e industrial. As zonas residenciais deveriam ser envolvidas por áreas verdes, a densidade urbana deveria ser diminuída, com relação aos abusos que haviam, com a criação de superfícies livres. Outras reivindicações do documento eram a conciliação entre as vias para automóveis e as de ciclistas e pedestres, a solução para os problemas de vias e de estacionamento, e a criação de zonas residenciais como espaços fechados aos seus usuários.


Na cidade pós-industrial, assim como nas atuais, o solo urbano passou a ser mais competitivo, em função dos diversos interesses públicos, privados e os da população. Desde então a estruturação do espaço urbano tem sido definida em primeira instância pelo planejamento urbano, podendo esta ser aplicada racionalmente como no caso de uma cidade planificada, ou, como na maioria dos casos, sofrendo influências de fatores diversos. 

CARACTERIZAÇÃO DA CIDADE NA IMPLANTAÇÃO E ENQUANTO CIDADE CANTEIRO

O núcleo urbano do qual se deu origem à cidade de Ilha Solteira foi construído para abrigar a população que era envolvida na construção da Usina Hidroelétrica de Ilha Solteira. Esta usina fazia parte de um complexo hidroelétrico intitulado por "Complexo Hidroelétrico de Urubupungá", envolvendo as construções das usinas de Jupiá e de Ilha Solteira, no rio Paraná, e posteriormente, a foi construída Usina de Três Irmãos no rio Tietê, tendo sido alojada a população trabalhadora e familiares no núcleo urbano de Ilha Solteira. As obras envolveram também a construção do canal hidroviário interligando o rio Tietê ao rio São José dos Dourados.     

Cronologicamente o início das obras em Ilha Solteira foi antecedido pelo obra da obra da Usina de Jupiá, contribuindo, historicamente com algumas diretrizes para a construção do núcleo urbano de Ilha Solteira. A Vila dos Operadores, implantada para abrigar trabalhadores da construção da usina de Jupiá, tinha como características as seguintes:  forma circular, a presença de vias radiais e concêntricas, uma área central coletiva, e a distinção social, conforme vias concêntricas estabelecidas pelo desenho urbano. 

Pereira (2016) destaca dois importantes aspectos que procuraram diferenciar a concepção do núcleo urbano de Ilha Solteira: a primeira delas era a visão de se estabelecer um núcleo urbano que não fosse de caráter provisório, como nos demais casos de implantação de "cidades de barragem", e de modo que se estabelecessem núcleos urbanos com fatores potenciais de desenvolvimento na região; em segundo, procurou-se não reproduzir a estrutura urbana marcada pela hierarquização social, assim como, uma cidade "flexível", com possíveis ajustes naturais da configuração, conforme a sua evolução. Uma proposta urbana diferenciada da apresentada para o núcleo da construção de Jupiá foi apresentada, seguida ainda por uma outra, a qual foi materializada.    

Uma caracterização da cidade em termos morfológicos pode ser percebida a partir das imagens publicadas. 

A Figura 1 ilustra a configuração da cidade quando na sua implantação; nota-se a proposta de funções urbanas bem definidas, havendo as áreas de habitação, de circulação, e espaços que podem ser mesclados, sendo eles comercial, institucional, de lazer e da implantação dos serviços da obra. 

A geometria das quadras juntamente com o sistema viário hierarquizado permitiram o adensamento habitacional, e não obstante a isso havia a presença de áreas verdes.  

A racionalização previa a localização dos centros comerciais e escolas nas regiões norte e sul. A Figura 2, ilustra um centro comercial, situado na zona Sul. Havia um na zona Norte da cidade e outro na zona Sul.
Figura 1 - Quadro geral da configuração e morfologia da cidade quando na fase de implantação
Fonte: ACERVO DEE-FEIS-UNESP

Figura 2 - Centro comercial quando em fase de implantação
Fonte: ACERVO DEE-FEIS-UNESP

Quanto à tipologia habitacional, havia discriminação com relação aos tipos de imóveis, sendo estes imóveis definidos conforme tipos "1", "2", "3", "4", "5", e "6". Não obstante a preocupação da segregação social, estes eram associados aos níveis hierárquicos, definidos pelo processo produtivo da construção da usina, diferenciando-se do caso da Vila dos Operadores em Jupiá, que para Ilha Solteira os diferentes níveis eram dispostos de modo mesclados, e ainda, diferenciando-se em zona Norte e zona Sul visto que na zona Sul havia a predominância de imóveis isolados.  

Para os casos definidos por níveis 5 e 6 as habitações eram isoladas, enquanto que para os casos definidos por níveis 1, 2, 3 e 4, as habitações eram geminadas. Ainda, as casas do tipo 5 ou 6 dispunham de vias pavimentadas com passeios de pedestres, enquanto que as casas dos tipos 1 a 4 dispunham de vias locais com tratamento primário sobre o leito viário, sem passeios para pedestres.  

A Figura 3 apresenta um caso de habitação geminada, conforme padrão 2 ou 3, enquanto que a Figura 4 ilustra uma habitação isolada, com padrão tipo 5.

Figura 3 - Imóvel geminados tipo 2 ou tipo 3

Fonte: ACERVO DEE-FEIS-UNESP
Figura 4 - Imóvel individualizado tipo 5
Fonte: ACERVO DEE-FEIS-UNESP

A Tabela 1 apresenta algumas informações quanto aos tipos de habitações, com relação às áreas e peças da habitação.

Tabela 1 - Características das casas de Ilha solteira conforme os tipos padronizados
Tipo de habitação
Área em m2
Lote
Área coberta
Alpendre
Programa
Tipo 1
108
32
8,4
Sala, 1 a 2 dormitórios, cozinha, banheiro, tanque, alpendre, área de frente e de fundo.
Tipo 2
132
44,9
16,1
Sala, 2 a 3 dormitórios, cozinha, banheiro, tanque, alpendre, área de frente e de fundo.
Tipo 3
132
44,9
16,1
Idem, com melhoramento  interno e esquadrias.
Tipo 4
188
67,68
18,8+1,96
(para auto)
Sala, 3 dormitórios, cozinha, banheiro, lavanderia, alpendre, área de frente e abrigo para auto, área de fundos
Tipo 5
300
105,52
29,20+21,44
(para auto)
Sala, 3 dormitórios, cozinha, banheiro, lavanderia e banheiro para empregada, alpendre, área de frente e abrigo para auto, área lateral de serviços e área de fundos para expansão.
Tipo 6
560
152,00
34+28,00
(para auto)
Sala de estar, sala de jantar, 4 dormitórios, banheiro, lavabo, copa, cozinha, lavanderia, dormitório e banheiro para empregada, alpendre, área de frente e abrigo para auto, área lateral de serviços e área de fundos para expansão.
Fonte: CESP (1988)

A Tabela 2, por sua vez, apresenta a população e as porcentagens representadas pelos níveis hierárquicos do canteiro, cujos cálculos das porcentagens são dados conforme informações de CESP (1988).

Tabela 2 -População e as porcentagens representadas pelos níveis hierárquicos do canteiro
Tipos 1 e 2
Tipos 3 e 4
Tipos 5 e 6
População representada
Porcentagem
(%)
População representada
Porcentagem
(%)
População representada
Porcentagem
(%)
21349
72,2
6807
23
1416
4,8
Fonte: CESP (1988)

AS MUDANÇAS DA MORFOLOGIA DA CIDADE APÓS A RECONFIGURAÇÃO ECONÔMICA, POLÍTICA E SOCIAL

Conforme ressalta Pereira (2016), uma das preocupações dos gestores sobre o núcleo urbano de Ilha Solteira era o esvaziamento gradativo da cidade após a finalização das obras de concretagem; ressalta-se que, a cidade também serviu de apoio posteriormente aos trabalhadores da construção de Usina Hidroelétrica de Três Irmãos, e da execução do canal. Em 1976 foi instituído na cidade o campus da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho".  

Após a sua emancipação, em dezembro de 1991, a cidade passou a ter uma nova definição de condições de sustentação, assim como, também passou a ser marcada por intervenções diversas sobre a sua configuração. O perfil de atividades produtivas na cidade passou a sofrer transformações, não estando ele mais atrelado à hierarquia do canteiro de construção de barragens. 

Anteriormente a este mesmo período já havia sido implementados alguns loteamentos nas áreas Norte e Sul, estando o processo sobre o controle absoluto da CESP, e havia já também sido iniciado o processo de venda dos imóveis funcionais da CESP e também já se discutia o processo por parte da UNESP, fato ocorrido no início da década de 90.

Uma nova configuração urbana passou a ser adquirida com a ampliação de residências, com o avanço permitido para alguns terrenos em direção aos largos passeios, e as reformas implicaram para os casos de habitações geminadas, implicando no aumento da taxa de ocupação dos terrenos. Normalmente ela se aproximava de até 0,8, ou até de 0,9. Em geral se adotou a prática de construir eliminando os recuos frontais, com a anexação de “puxadinhos” nos fundos, e internamente, reconfigurando as peças com a anexação de cômodos. Outras vezes o índice de aproveitamento dos terrenos era superior que 1. A Figura 5 ilustra o caso de uma região.


Figura 5 - Tipologia de imóveis reformados geminado após a emancipação

Algumas das áreas verdes foram utilizadas como área institucional para a construção de edifícios da prefeitura, e outras foram apropriadas pela população, mas algumas delas foram negligenciadas. A Figura 6 apresenta caso onde elas são utilizadas como campo de futebol, estacionamento, e caminho de pedestres, contudo, sem a implantação de algum tipo de equipamento urbano. A Figura 7, por sua vez, apresenta um caso onde a área verde foi tomada para a construção de um edifício público municipal.


Figura 6 - Condição de uso de área verde



Figura 7 - Área verde transformada em área constitucional

Na Figura 8, as respectivas áreas verdes representadas nas figuras 6 e 7 são ilustradas quanto à sua disposição, assim como o quadro de ocupação dos terrenos dados pelos imóveis. 


Figura 8 - Morfologia criada pelas áreas verdes e habitações 
Fonte Google Earth 2016


Com o deslocamento de uma parte da população antiga residente em casas geminadas de madeira, para uma área disponibilizada em um novo loteamento, outros loteamentos começaram a ser implementados, muitas vezes reproduzindo o padrão da cidade, com um elevado índice de ocupação, e carência de áreas verdes ou de espaços comunitários de convivência compartilhada, dotados de equipamentos urbanos. A Figura 9 ilustra o antigo núcleo urbano e nova fase de ocupação, no canto inferior direito.


Figura 9 - Núcleo urbano e novas áreas da cidade

Fonte Google Earth 2016

A Figura 10, por sua vez, ilustra a condição de adensamento da área, e do potencial de aproveitamento de espaços, pouco beneficiados com a implantação de equipamento. 


Figura 10 - Morfologia de área de expansão
Fonte Google Earth 2016

Algumas áreas que foram liberadas dentro do antigo núcleo, com o remanejamento da população anteriormente residente em habitações geminadas, construídas em madeira. Estas áreas foram parceladas para a venda de terrenos, a partir do processo o qual começou a construção em edifícios pequenos, com o índice de elevação limitado a 3. Este novo processo na construção civil contribuiu para modificações na morfologia urbana da cidade, conforme a Figura 11.


Figura 11- Modificação da morfologia urbana com a tipologia habitacional

No caso apresentado na Figura 12 se nota um pequeno edifício construído em uma via coletora secundária, cuja orientação da fachada, agora voltada para a via, vem a descaracterizar o que era concebido no projeto original, para as áreas comerciais. 



Figura12- Modificação da morfologia urbana com a tipologia habitacional e orientação no espaço


ALGUMAS OBSERVAÇÕES IMPORTANTES SOBRE O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA CIDADE, A EVOLUÇÃO E A HIERARQUIA DO SETOR PRODUTIVO NO BRASIL

Sobre os aspectos da sociedade e da organização social, do ponto de vista da demanda pelo uso do solo urbano durante a fase inicial, pode-se observar um caráter quase inativo, uma vez que o assentamento da população foi realizado de modo racionalizado segundo o modelo engessado da divisão social do trabalho, e, as atividades de natureza especulativas ou industriais não eram prioridades previstas nas leis estabelecidas pela CESP durante a fase em que a cidade esteve sob a sua tutela. A cidade se comportava à época como uma cidade planificada, segundo a compreensão apresentada em Mausbach (1981).

As formações profissionais eram realizadas pelas próprias empresas com interesses específicos, porém a sociedade era engessada, em face dos diferentes níveis de qualificação envolvidos. Dentro da discussão, não se deve ignorar o sistema produtivo histórico brasileiro, que, aparentemente contribuiu para uma mentalidade separatista do ponto de vista sócio econômico, e de uma sociedade engessada, conforme se depara pelo tipo de atividades que foram desenvolvidas ao longo dos diversos ciclos econômicos, observadas em FENAME (1973). De outro lado, a necessidade imediata de mão de obra qualificada para as funções desejadas na obra impedia a transição de trabalhadores dentro de uma hierarquia. Do ponto de vista habitacional, esta sociedade foi marcada com o espaço disponível e a tipologia habitacional que lhes cabia dentro desta sociedade engessada.

Do ponto de vista individual e das famílias, algumas simulações são realizadas. Considerando uma família hipotética de 5 pessoas, uma avaliação foi feita tomando-se em consideração os dados fornecidos pelas Tabelas 1 e 2.

A Figura 13 ilustra a variação da ‘área construída por habitante’, conforme os diversos níveis de residências.



Figura 13 - Área construída por habitante, conforme os padrões de edificação

Do mesmo modo, se pode considerar pela Figura 14 o valor da relação “área livre de terreno/habitante”.



Figura 14 - Área livre do terreno por habitante, conforme os padrões de edificação


E ainda, a Figura 15 ilustra a variação do valor da relação índice de ocupação dos terrenos.



Figura 15 - Índice de ocupação dos terrenos, conforme os padrões de edificação

Verifica-se que a variação destas grandezas, é mais favorável para os habitantes dos níveis 5 e 6, conforme as Figuras 13 a 15. Conforme as figuras, observa-se que para as populações mais privilegiadas, tanto o valor “área construída por habitante” como a ‘área livre do terreno por habitante’ mais favorecidos. Neste sentido, as populações dos níveis 5 e 6 dispõem de maiores áreas para o exercício das atividades, enquanto que para os níveis 1 e 2, ou 3 e 4, são levadas a conviverem dentro de áreas menores, e com menor privacidade. Ainda, observa-se que os valores dos índices de ocupação são menores para o caso dos terrenos das casas tipo 6, conforme a figura 15.

A Figura 16 ilustra uma situação onde as reformas após a emancipação privilegiem um valor próximo de 0,8 para a taxa de ocupação.



Figura 16: Área construída por habitante, conforme a edificação tipo 1, 2, 3, e 4 antes e depois das reformas

Admitindo-se a simulação, conforme a figura 2, nota-se uma ligeira melhoria para as populações 1 e 2, e 3 e 4, sob os pontos de vista de ‘área construída/habitante’, fato que justifica tal tendência de procedimento para os casos de reformas que têm sido realizadas. Observa-se uma ligeira vantagem para os casos 5 e 6, pois, estas possuem mais áreas livres para o caso de haver uma área construída maior, de modo que, os moradores destas casas podem investir então em paisagismo e construção de piscinas, por exemplo. Sobre os pontos de vista de aprovação do desenho e tipologias habitacionais, de relatos de DOURADO et all (2003), depara-se com um descontentamento da maioria da população que dependem de habitações geminadas.  As reclamações são relatadas como: Ausência de espaços recreativos, ausência de privacidade, ausência de boas condições de iluminação e ventilação.

A nova configuração urbana trazida pelas reformas não trouxe um nível maior de padrões de fachada, descaracterizando a monótona e marcante hierarquia residencial, típica de uma antiga sociedade engessada socialmente.  Buscou-se a ampliação e a individualidade. Na tentativa de se aproximar a área construída por habitante com relação aos padrões mais elevados, conforme a Figura 13, a área livre foi sacrificada.

Do ponto de vista da infraestrutura urbana, o adensamento alcançado para o núcleo de Ilha Solteira pode ter contribuído para a redução de custos de infraestrutura urbana, como preconiza os cursos de projetos de infraestrutura urbana. A hierarquização viária se mostra uma atitude racional de planejamento, de modo a se evitar o superdimensionamento de vias, impor uma função viária e ainda resolver conflitos entre pedestres e veículos. Isto é corroborado com Mascaró (1989), onde, os custos de infraestrutura urbana por habitação decrescem com o adensamento, e, os custos com pavimentação demandam aproximadamente 50% dos custos de infraestrutura urbana. Acredita-se que da combinação do planejamento do sistema viário, e da concepção de uma tipologia habitacional pode-se oferecer propostas satisfatórias de condições de vida aos seus usuários, mesmo quando os espaços habitacionais sejam minimizados aos mínimos requeridos, e passam a ser valorizadas as áreas comuns compartilhadas, como as áreas verdes, de lazer, e institucionais. Estes aspectos se aparentam ser coerentes com as proposições de Le Courbusier (1971).  

No entanto, quanto ao uso da infraestrutura urbana, aparentemente ele não está sendo bem conduzido, quando se considera a reprodução de um modelo mineralizado ou impermeabilizado, e individualizado. O pensamento urbano muitas vezes reflete a visão que nos foi herdada dos antecessores, o tradicional "reticulado xadrez" com grandes lotes, e ainda dentro da visão manifestada dentro da cultura vigente, em termos de apropriação do espaço e manifestação do poder econômico. Os que dependem de menores áreas de terreno para viver, como nos casos de habitações geminadas, poderiam desfrutar dos benefícios legais dos sistemas de condomínios, para a defesa de seus interesses locais, e também, poderia se considerar como interesses da população a implementação de serviços e equipamentos urbanos nas áreas verdes, com a sua preservação, e em favorecimento da população do entorno.

A individualização das edificações rompeu com o pensamento comunitário, para a discussão e a solução de problemas técnicos decorrentes do fato das habitações geminadas. O elevado índice de ocupação, assim como a implementação da pavimentação influenciou no meio físico, trazendo o desconforto do aquecimento térmico do ambiente, e o aumento do escoamento das águas pluviais.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto observa-se que:

A estrutura produtiva e econômica permite sistemas de urbanização de modo a se criar sociedades engessadas socialmente. A exclusão social e a padronização de cidades é rejeitada pela sociedade à qual ela é submetida, que gradativamente a substitui pelos padrões multi diversificados. Deve-se sempre tomar em consideração os fatores relativos à fase de pós-ocupação, e considerar que deve existir a aceitação de uma proposta urbana pela população, visto que, uma sociedade se estrutura não só fisicamente, mas culturalmente, onde os dois fatores andam juntos. 

BIBLIOGRAFIA.

Companhia Energética de São Paulo (CESP) Ilha Solteira: A cidade e a usina. Fascículos da História da Energia Elétrica em São Paulo, 2, São Paulo, 1988, 63p.

CLARCK D. Introdução à geografia urbana. São Paulo, 1985, Difel, 286 p.

DOURADO L.A.C Ilha Solteira contrastes de uma cidade planejada. In: Encontro Sul matogrossense de geografia. Três lagoas, 2003.

FUNDAÇÃO NACIONAL DO LIVRO. Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro, 1973, 153 p.

LE COURBUSIER Planejamento Urbano. São Paulo, 1971, Perspectiva, 203 p.

MASCARÓ, J.L. Desenho urbano e custos de urbanização. Porto Alegre, 1989, D.C Luzzato, 175 p.

MAUSBACH H. Urbanismo contemporâneo. Lisboa, Presença, 1981.

PAYER, J.M; CHAPÉRON, SYLVIE. Le siècle des lumières. Casternan, Paris, 1991. 69 p.

PEREIRA, L.F. Estudo sobre a expansão do núcleo urbano e os bairros mais recentes da cidade de Ilha Solteira. Ilha Solteira, FEIS/UNESP, 2016, 38 p. (Trabalho de Conclusão de Curso)

PIERRE, M. La Renaissance. HACHETTE, Paris, 127p.