Marco Antônio de Morais Alcantara
#PolíticaUrbana #SoloUrbano
A natureza do solo urbano
O solo urbano possui algumas
características peculiares, a saber: ele é antes da existência do homem; é
definido em termos de sua localização, não podendo isto ser alterado (CORREIA,
2002). Ele é produzido normalmente a partir da incorporação de glebas rurais ao
tecido urbano. Em alguns casos ele tem sido produzido de modo diferente como em
aterros sobre áreas de inundações de rios, ou em vales (questionáveis). De modo
geral existem requisitos quanto a exploração da terra para fins de loteamentos,
distinguindo áreas como “non aedificandi”, compreendidas por exemplo como
terrenos de declividade excessiva, aterros com materiais nocivos à saúde, áreas
de proteção permanente (APP), faixas de domínio de rodovias e de ferrovias.
Este artigo tem por finalidade
explorar o escopo relacionado ao papel econômico, social, e ao acesso ao meio
urbano.
Ainda, relativamente ao papel e à
natureza do solo urbano, ressalta-se conforme Correia (2002) que este é
necessário à ocupação do homem para a sua sobrevivência. Isto explica a razão
pela qual este é muito disputado, podendo acarretar não só a acumulação de
capital, como a exclusão social.
A mais valia no meio urbano
Algumas observações são
apresentadas em Correia (2002), procurando distinguir a valorização da terra sob
diferentes contextos. Por exemplo, no caso de solo para fins de agricultura,
podem ser tomados em consideração as questões de produtividade, assim como as
benfeitorias existentes na propriedade. Para o caso de exploração mineral se
pode levantar as mesmas considerações sobre as expectativas relativas à
exploração dentro do potencial da terra. Quanto ao solo urbano, este é definido
como “solo suporte” para a sociedade, e o valor é dado pelo que a sociedade lhe
atribui.
Uma publicação clássica de Singer
(1982) também faz semelhantes considerações, onde, o solo é conhecido como um
falso capital, visto que ele é a base para a exploração de uma atividade
produtiva. De acordo com Singer (1982) o valor do solo urbano é estabelecido “pelo
quanto a sociedade está disposta a pagar”, distinguindo ainda o autor a renda
diferencial do solo urbano, conforme a localização e a rentabilidade que esta
pode proporcionar.
Por estes parágrafos ora
apresentados se compreende o conceito de “mais valia” alcançada na exploração
do solo urbano.
O acesso ao solo urbano
De modo geral os meios de acesso
ao solo urbano tem sido os seguintes: pelo título de propriedade de imóvel urbano,
pelo contrato de locação de um imóvel, ou pelo título de um imóvel cedido ao
beneficiário para usufruto. Casos
particulares tem sido a regularização fundiária de habitações que estejam em
condições inadequadas, invasões, ou remoções, assim como os projetos sociais.
Como dito, o solo tem um papel
fundamental para a instalação do indivíduo na sociedade, não somente permitindo
a sua atividade econômica, como concedendo ao indivíduo um conceito de status
social, e de poder de atuação. No entanto, a estrutura urbana contribui para
que exista de uma parte o enriquecimento de alguns, com a acumulação de mais
valia no meio urbano, e, a exclusão social para com outros.
Os elementos principais ativos no
espaço urbano podem ser compreendidos como o poder público, o setor econômico, o
setor imobiliário, as associações, e a sociedade distinta, em diversos
extratos.
As visões capitalista e social do solo urbano
O texto citado de Singer (1982)
tem como principal escopo o uso do solo na sociedade capitalista.
Neste, o
autor assevera que “não existe lugar para os pobres na cidade capitalista’.
Embora o texto seja um pouco antigo, compreende-se bem esta afirmação quando se
atenta para a dinâmica da formação da morfologia urbana nas sociedades
capitalistas. Esta joga com a exploração de terrenos à espera de valorização,
fabrica vazios urbanos, induz os vetores de crescimento da cidade conforme os
seus interesses, e se beneficia da criação de infraestrutura e de serviços
implantada pelos serviços públicos em reclamação `demanda dos novos usuários.
De um modo diferenciado, considerando-se
alguns países europeus, pode-se atentar, conforme Correia (2002), posições no
sentido de que o poder público possa ser um mediador entre as demandas pelo
espaço urbano, de modo a promover a distribuição da mais valia proporcionada
pelo solo urbano, assim como, de manter estoque de terras apropriadas para a
produção do espaço urbano; ainda, estabelecer taxação sobre o uso do solo
urbano, de modo a se promover o melhor acesso da população.
Ações que podem influenciar na mais valia ou no acesso ao meio urbano
Quando se considera o caso do
gestor urbano, alguns instrumentos do planejamento estão à sua disposição, e
estes tanto podem favorecer o acesso ao espaço urbano, como dificulta-lo. Alguns
propósitos nos atributos ao gestor, visam a melhor provisão de espaço para a
população, através dos mecanismos criados pela legislação urbana.
As políticas urbanas são de modo
geral articuladas entre as esferas federais, estaduais e municipais, tendo o
município autonomia para gerar planos de inclusão urbana. Honda et al (2013) destaca a Constituição
Federal, da Política Urbana, nos artigos 182 e 183.
Segundo Honda et al (2013), pela
Constituição Federal, “o Município deve “legislar sobre os assuntos de
interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual” no que for
necessário, ou seja, o Município tem a obrigação sobre o espaço urbano, por
meio de um “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle
de uso, do parcelamento ou da ocupação do solo urbano”. Ainda destacam também
Honda et al (2013), com base no artigo 182, sobre a política do desenvolvimento
urbano, “que deve ser executada pelo Município, com o objetivo do “pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus
habitantes”, possuindo como instrumento básico da política o Plano Diretor
Municipal”.
O Plano diretor pode indicar as
áreas de expansão urbana, assim como as ocupações e as densidades permitidas.
Algumas ações executadas pelos
gestores podem ser também elencadas como seguem:
-Políticas de taxação. Muito
polêmicas. De um lado permitem tributar a mais valia decorrente da exploração
do solo urbano, e de outro, podem promover compensações em benefício das
camadas menos favorecidas.
-Projetos de adensamento de
áreas. Muitas vezes aplicados para regiões com pouca ocupação, de modo a permitir
um maior número de residências, e assim viabilizar a implantação de serviços públicos,
e de infraestrutura. Por outro lado, deve-se atentar que, com a valorização da
área, algumas famílias podem passar a ter dificuldades de permanecer no lugar
em decorrência dos encargos, ou então, são tentadas a negociar os seus imóveis com
outros mais baratos de outras áreas, de modo a ter mais valia e uma poupança. Em
muitos casos os beneficiários de projetos sociais tendem a retornar à condição
original ocupando imóveis inapropriados ou partindo para novas regiões de
intervenção pública.
-Revitalização de áreas. As
medidas de revitalização são importantes e necessárias e tendem a favorecer a
valorização de algumas áreas, praças e infraestrutura, de modo a manter suas
funcionalidades, e de se evitar a degradação. Grandes cidades tendem a ter problemas
de degradação nos centros urbanos decorrentes da obsolescência dos imóveis com
o tempo, baixo grau de conservação, além de que a infraestrutura urbana, tais
como os acessos, locais apropriados para os serviços públicos, e terminais, e
outros carecem de intervenção e de readequação. De uma parte a medida tem a sua
importância, e por outra parte, ela tende a valorizar os imóveis que estão
contidos no seu entorno.
Neste sentido, enquanto que, se
uns ganham com a mais valia proporcionada, pela valorização dos seus imóveis, enquanto
que outros tendem a ser afetados de modo radical, como apresenta Villaméa
(2017), em uma visão sobre um processo de revitalização urbana realizado no Rio
de Janeiro entre os anos 1902 e 1906, conduzido pelo prefeito Pereira Passos. Esta
ocupação tinha um caráter higienista e de busca de adequação da cidade às
paisagens de cidades europeias, no caso Paris. De acordo com Villaméa (2017), a
ação culminou com as condições de instalação de uma grande avenida, com 33
metros de largura e aproximadamente 2 Kilometros de extensão, hoje a Avenida
Rio Branco, permitindo a construção de vias e de passeios dotados de materiais
nobres e arborização, além da instalação de grandes edifícios, de modo a trazer
maior semelhança com Paris, tomada como referência. Contudo a ação se limitou nisto,
não provendo moradias para os habitantes dos imóveis que foram demolidos para
se prover o espaço, imóveis obsoletos e ocupados por habitantes de menor poder
aquisitivo, como antigos escravos e, combatentes da guerra dos Canudos, que no
retorno não tiveram a respectiva contrapartida. Desta expulsão de moradores,
resultou a ocupação de morros, que até então não era ainda um processo
relevante.
-Loteamentos populares. Muitas
vezes produzem lotes promocionais destinados à população de baixa renda, com
possibilidades de construir por autoconstrução. Normalmente estes terrenos são
distanciados da cidade, devido ao menor custo da terra. Estes empreendimentos são
as razões das expansões urbanas desordenadas, com a criação de vazios urbanos à
espera de valorização.
-Urbanização de favelas. Esta
medida ocorre de maneira geral quando uma ocupação se instala e se estabiliza
em uma determinada região da cidade, onde os moradores, normalmente migrantes
são atraídos pelas condições do local isentos de custo, por não ser uma área
disponível para ser comercializada, sejam áreas institucionais ou impróprias
para ser loteadas. O histórico de ocupação muitas vezes permite que ocorra a
estabilização da população no local, todavia, sem as condições propícias para a
qualidade de vida, e sem vínculo de propriedade urbana.
A urbanização quando é viável
consiste nas obras básicas de saneamento básico, controle sobre águas pluviais,
habitação e sobretudo a regularização fundiária dos moradores. Em caso de
inviabilidade de permanecer no local os moradores, como em áreas de risco e em
casos de proteção de mananciais, a população é removida para um loteamento.
Bibliografia
CORREA, P.V.D. Planejamento de
solos no planeamento municipal, Lisboa, 2012, Fundação Calouste Gulbenkian,
403pg
HONDA, S.C.A.L. Instrumentos
urbanísticos e a ação municipal. In: IV Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia
Urbana/I Encontro Nacional de Tecnologia Urbana, Rio de Janeiro, 2013, np
SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO,
Ermínio (org.) A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil. São
Paulo, 1982, Alfa Ômega, pg 21-36
VILLAMÉA, L. A reforma urbana que
foi também uma limpeza social. Brasileiros.com.br <http://brasileiros.com.br/2017/01/reforma-urbana-que-foi-tambem-uma-limpeza-social/ >
Acesso em 12 de 02 de
2017